Maria Popov: Por que o sexo tem um status tão elevado em nossa sociedade?

"A falta de desejo sexual é frequentemente vista como um problema em nossa sociedade", afirma Maria Popov. A apresentadora explica os motivos para isso e por que as consequências podem ser fatais não apenas em seu novo livro "Kein Bock Club" (Clube Sem Desejo), mas também em uma entrevista à revista BRIGITTE.
BRIGITTE: Querida Maria, quais mitos sociais sobre a sexualidade feminina você gostaria de desmistificar com "Kein Bock Club"?
Maria Popov: O mito da aversão feminina, que supostamente nos torna menos femininas, precisa acabar. E essa ideia de que sexo é essencial para a saúde ou para um relacionamento saudável também. As consequências dessas suposições são desastrosas — às vezes, muito mais negativas do que nos fazem acreditar. Por exemplo, há muitas mulheres que aceitam fazer sexo porque dizer não naquele momento seria mais exaustivo. E isso é realmente inacreditável quando paramos para pensar.
Em seu livro, os termos "assexualidade" e "falta de interesse" aparecem, e muitas pessoas os usam como sinônimos. Qual é a diferença para você?
Para mim, era importante não escrever um livro sobre assexualidade, mas sim focar na "falta de desejo" — daí o título "Clube da Ausência de Desejo". O termo abrange muitas identidades — a ausência de desejo significa simplesmente não sentir desejo, independentemente do motivo: estresse, experiências ruins, autodeterminação. Assexualidade significa sentir pouca ou nenhuma atração sexual por outras pessoas. Mas esse não é um rótulo que você pode simplesmente se atribuir. Aqueles que se identificam como assexuais fazem parte da comunidade LGBTQIA+ e precisam enfrentar a discriminação e o preconceito.
Você se assumiu queer cedo, mas não como assexual. Por que isso foi mais difícil para você?
Achei mais fácil me assumir queer do que dizer "Sou assexual". Isso vem acompanhado de mais vergonha, proveniente da nossa sociedade, onde o sexo é considerado tão importante e um estado constante de desejo é praticamente um dado adquirido. Essa vergonha se infiltrou em mim e me fez sentir que eu não podia falar sobre isso. Só muito tempo depois percebi que havia razões estruturais para isso.
Você quer dizer a premissa básica de que todo ser humano faz sexo?
Exatamente. Partimos do pressuposto de que a falta de sexo é automaticamente um problema que precisa ser resolvido o mais rápido possível. Principalmente em relacionamentos, espera-se que a pessoa com libido mais baixa "resolva" o problema.
E isso é fatal.
Estudos mostram que muitas mulheres perdem a virgindade por vergonha, não por vontade própria. A patologização do desejo sexual feminino tem uma longa e terrível história. Até a década de 1950, a frigidez era considerada um problema médico e tratada com eletrochoques. Mesmo hoje, esses equívocos influenciam a forma como vivemos juntos. Recentemente, o Tribunal de Justiça da União Europeia ordenou que a França contestasse uma decisão de 2012: uma mulher foi culpada pelo próprio divórcio por não desejar mais sexo. E essa é a realidade atual. Aqui mesmo na Europa, não na Arábia Saudita.
Segundo pesquisas, os jovens estão fazendo cada vez menos sexo. Qual a sua explicação?
Há muitos fatores em jogo. A Geração Z cresceu durante a pandemia, o que levou a uma maior ênfase na interação social digital. Eles não são necessariamente menos ativos sexualmente, mas se encontram pessoalmente com menos frequência. Além disso, os jovens de hoje moram com os pais por mais tempo, o que significa que têm menos privacidade. Eles bebem menos álcool, o que pode diminuir as inibições. E, crucialmente, cresceram com o movimento #MeToo e estão aprendendo que dizer "não" não só é permitido, como também importante. Ademais, seu foco está se voltando mais para amizades, saúde mental, hobbies e carreira – e estudos mostram que mulheres solteiras costumam ser mais felizes do que aquelas que estão em relacionamentos.
Você também escreve sobre "sexualidade compulsória". O que exatamente você quer dizer com isso?
A sexualidade compulsiva é o clima em que o sexo é considerado parte inerente do ser humano. No entanto, trata-se de um roteiro culturalmente carregado, não biologicamente predeterminado. Desde o advento da pílula anticoncepcional e dos movimentos feministas, essa visão mudou significativamente. Mesmo assim, a noção de que o sexo deve acontecer a qualquer hora e em qualquer lugar persiste, levando a relações sexuais relutantes e ao medo de dizer "não".
De modo geral, a sociedade está se tornando mais aberta; as pessoas falam mais sobre sexo. Essa tendência não poderia também gerar pressão para fazer parte dessa "cultura sexual"?
Muitos debates, como os sobre consentimento, masturbação ou brinquedos sexuais, são importantes, mas também existem os aspectos negativos da sexualidade, e às vezes não há espaço para eles — mesmo em ambientes ditos pró-sexo. Quando o sexo não é positivo, o que acontece com frequência, não existem conceitos para lidar com isso. Acho que já passou da hora de os debates sobre desejo sempre incluírem a experiência da falta de desejo. Precisamos de uma discussão que acolha ambas as perspectivas e incentive as pessoas não apenas a sentirem desejo, mas também a se sentirem bem com a ausência dele.
Muitas mulheres sentem-se culpadas quando não têm vontade de fazer sexo – e imediatamente pensam no parceiro. O que pode ajudar?
O passo mais importante é ser fiel a si mesmo e não encarar a falta de desejo como um problema que precisa ser resolvido imediatamente. É importante descobrir se isso realmente te incomoda ou se está tudo bem. Só então você poderá dizer com confiança: "Ok, tudo bem, não estou com vontade de fazer sexo, mas talvez eu esteja com vontade de outra coisa". Isso é igualmente válido. E se você perceber que geralmente sente vontade, terapeutas sexuais às vezes até aconselham aliviar a pressão conscientemente. Casais que decidem não fazer sexo têm mais chances de acabar na cama juntos do que aqueles que têm horários marcados para sexo. Porque a pressão é uma verdadeira assassina da libido.
O que teria que acontecer para que a sexualidade feminina se emancipasse verdadeiramente das imagens dominadas pelo masculino?
Um ponto crucial seria que os homens também se permitissem, às vezes, não estar com vontade. No entanto, não acredito que isso vá acontecer de forma generalizada tão cedo. Além disso, as mulheres foram criadas com a ideia de que precisam ser a "boa menina ", ou seja, que estão ali para fazer alguém feliz. Isso leva rapidamente à ideia de uma dívida, de que devemos sexo a alguém. Não é o caso. Mas abandonar essa ideia exige muita energia. É por isso que a solidariedade FLINTA* ajuda – mulheres, pessoas intersexo, não-binárias e trans que trilham novos caminhos juntas e se fortalecem mutuamente. As mulheres são fortes em construir pontes e criar conexões. Precisamos dessa força.
Brigitte
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