As mulheres que lideram a produção de óleos na Amazônia que dão vida a alguns dos perfumes mais vendidos da América Latina.

No coração da Amazônia brasileira, entre copaíbas, breus-brancos e plantações de pataqueira, funciona uma fábrica comunitária única: um espaço onde mais de cem membros transformam folhas, raízes e resinas da floresta tropical em óleos essenciais que viajam (transformados em perfumes) por todo o continente. Esses óleos, alguns dos mais valorizados na perfumaria global, são a base de fragrâncias icônicas como Kaiak, Essencial e Luna, da multinacional de cosméticos Natura, que estão entre as mais vendidas na América Latina.

A Aprocamp e a Coopcamp foram fundadas há mais de 20 anos na comunidade de Campo Lindo (Pará), Brasil. Foto: Edwin Caicedo. EL TIEMPO
As organizações que tornam essa rede possível são a Aprocamp e a Coopcamp, fundadas há mais de 20 anos com apenas 22 pessoas e que hoje contam com 102 membros: 46 mulheres e 56 homens. No entanto, a maior parte da tomada de decisões está nas mãos de mulheres. Sua diretora é Josiele Josi, e sete dos nove cargos no conselho de administração são ocupados por mulheres.
“Nosso desafio sempre foi demonstrar que a Amazônia pode gerar riqueza sem ser destruída e que as mulheres podem estar na vanguarda desse processo”, explica Josi.

Aprocamp e Coopcamp mostram como gerar valor econômico sem destruir a Amazônia. Foto: Edwin Caicedo. EL TIEMPO
O trabalho da Aprocamp e da Coopcamp reflete uma das múltiplas realidades que coexistem na Amazônia. Enquanto nas regiões ribeirinhas a produção se baseia no ecoturismo, no extrativismo e no transporte fluvial, em Campo Lindo predominam as atividades baseadas na agricultura comunitária e nas florestas, que são a base dos melhores óleos essenciais do Brasil.
A diferença é fundamental: antes, a região produzia principalmente manteigas e óleos vegetais, que eram mais estáveis e usados em sabonetes e cosméticos. "Quando se trata de perfumes, o nível de delicadeza é muito maior. Produzir óleos essenciais aqui era um paradigma, e as comunidades o quebraram com sucesso", explica Mauro Corrêa da Costa, gerente de compras sustentáveis da Natura.
Uma fábrica própria no meio da selva A planta, localizada na comunidade de Campo Lindo (nordeste do Brasil), não pertence a nenhuma empresa externa. Pertence à comunidade e está localizada no meio de uma imensa e densa floresta, de onde provém parte dos insumos que utilizam. Se as árvores não forem cuidadas, ou se decidirem cortá-las, perderão a riqueza que atualmente lhes permite produzir seus óleos.
Hoje, a usina emprega jovens da comunidade que trabalham em turnos rotativos para operar as caldeiras e os equipamentos de destilação. Alejandra, uma das integrantes, resume como "um sonho realizado pelos fundadores, com o apoio de parceiros que nos capacitaram, mas que sempre teve a intenção de ser nosso, de permanecer nas mãos da comunidade".

A maioria dos membros do conselho de administração da organização é composta por mulheres. Na foto: Josiele Josi. Foto: Edwin Caicedo. EL TIEMPO
A destilação de óleos essenciais é uma tarefa meticulosa. A matéria-prima — que pode conter entre 200 e 650 quilos de folhas, caules ou raízes — é colocada em grandes recipientes onde é vaporizada por horas.
“Em média, uma tonelada de matéria-prima rende apenas 160 mililitros de óleo”, explica Josi. Cada tipo de planta requer um tempo diferente: enquanto algumas liberam sua essência em duas horas, outras levam até seis.
O resultado é um líquido precioso: um litro de óleo essencial custa entre 9.000 e 16.000 reais (US$ 1.600 a US$ 2.800). E, na perfumaria, uma única fragrância pode misturar mais de 300 tipos diferentes de óleos.

Em sua fábrica, a comunidade produz óleos essenciais a partir dos frutos da selva. Foto: Edwin Caicedo. EL TIEMPO
O processo gera dois subprodutos que também são utilizados: hidrolato, uma água aromática que a organização planeja converter em amaciantes de roupas, sabões e detergentes; e resíduos sólidos, que são transformados em fertilizante orgânico para produtores locais. "Estamos tentando criar um ciclo fechado, onde nada se perde e tudo retorna para a roça", acrescenta o líder comunitário.
A pataqueira, planta típica da região, é um dos ingredientes-chave das fragrâncias mais vendidas da Natura. "Se a pataqueira não existisse, 50% do óleo usado em perfumes não estaria disponível", enfatiza Josi.

Josiele Josi em uma plantação de priprioca. Foto: Edwin Caicedo. O TIEMPO
A transição da comunidade da venda de plantas para processamento por terceiros para a destilação de óleos essenciais marcou um ponto de virada. "Antes, éramos apenas colhedores; agora somos produtores de um produto sofisticado que chega a todo o continente. Saber extrair óleo de uma simples folha é um privilégio", acrescenta Josi.
Na Campo Lindo, a liderança feminina tem sido fundamental. A maioria das decisões estratégicas está nas mãos de mulheres, que não apenas gerenciam a fábrica, mas também promovem projetos de inovação, capacitação de jovens e novos usos para subprodutos.
Após mais de duas décadas, a Aprocamp e a Coopcamp demonstraram que é possível transformar biodiversidade em valor econômico sem romper o equilíbrio com a natureza. E, acima de tudo, que as mulheres da Amazônia podem ser protagonistas de um negócio que hoje sustenta parte da indústria de perfumes da América Latina.
“Cada gota de petróleo que sai daqui é uma vitória coletiva, não só da nossa comunidade, mas de toda a Amazônia”, enfatiza Josi.
Participação nos lucros: da Rio 92 à legislação brasileira A história desse modelo também está ligada aos debates internacionais iniciados na Cúpula do Rio de 1992 (a primeira COP realizada na história) sobre biodiversidade e acesso a recursos genéticos. Após anos de discussão, o Brasil estabeleceu sua legislação de repartição de benefícios em 2015, que exige que as empresas compartilhem os lucros quando acessam conhecimento tradicional ou patrimônio genético.
No caso da Aprocamp e da Coopcamp, esses recursos são destinados à conservação da biodiversidade e ao fortalecimento de organizações sociais. Segundo os líderes do projeto, 70% do investimento na usina veio da Natura e 30% de recursos de participação nos lucros.
"Este modelo demonstra que os povos da Amazônia não apenas conservam a floresta, mas também podem gerar valor agregado muito além do extrativismo. É um exemplo de como podemos romper ciclos econômicos que se esgotaram no passado, como o da indústria da borracha, e dar autonomia real às comunidades", acrescenta Corrêa da Costa.
Somado à questão da repartição de benefícios, há um debate emergente hoje: os pagamentos por serviços ambientais (PSA). Esses pagamentos visam reconhecer financeiramente as comunidades pela conservação de florestas, proteção da água e manutenção da biodiversidade.
“O preço do que produzem dificilmente altera a vida dessas pessoas. Por isso, a repartição de benefícios e os pagamentos por serviços ambientais são mecanismos fundamentais para transformar a realidade das comunidades amazônicas”, acrescenta Corrêa da Costa.
A expectativa é que esse tema ganhe ainda mais destaque na COP30, que será realizada em Belém, no Pará, a apenas duas horas de Campo Lindo, e que poderá consolidar novas fontes de renda para quem habita e preserva a Amazônia.
Jornalista de Meio Ambiente e Saúde
eltiempo