Como uma grande empresa pode estabelecer com sucesso cadeias de suprimentos e práticas sustentáveis? Estes são os princípios-chave a seguir.

Construir cadeias de suprimentos sustentáveis é um dos maiores desafios para empresas que dependem da biodiversidade ou buscam proteger o planeta e, ao mesmo tempo, manter a lucratividade. Esse desafio é cada vez mais essencial em um mercado que exige crescimento tanto em termos de proteção do planeta quanto em indicadores financeiros.
O caso da Natura, uma das maiores empresas de cosméticos da América Latina, fundada há mais de 56 anos com foco na responsabilidade ambiental, oferece um exemplo dos princípios que podem orientar esse caminho.
A empresa se consolidou como uma das principais empresas do seu segmento globalmente, tendo faturado mais de US$ 4,3 bilhões em vendas de produtos somente em 2024, enquanto suas operações promoveram a conservação e a proteção de 2 milhões de hectares de floresta na Amazônia, comprando diretamente seus insumos de mais de 10.000 famílias em mais de 225 municípios da região da Pan-Amazônia.
Apesar de ser uma empresa de capital aberto cujo objetivo é ser o mais eficiente possível, a Natura hoje compra insumos como óleos essenciais ou óleos de frutas exóticas de comunidades que podem estar a até sete dias de barco na selva, gerando benefícios para populações remotas que, assim, obtêm um meio de vida econômico.
Ao mesmo tempo, sua fábrica de sabão, localizada no município de Benevides, fica no remoto extremo nordeste do Brasil. De lá, eles produzem mais de 45 milhões de unidades por mês para distribuição em toda a América Latina. Isso representa um imenso desafio logístico, mas uma vantagem em termos de acesso a insumos provenientes da floresta tropical que ajudam a proteger. Eles fazem tudo isso sem deixar de ser uma multinacional lucrativa.
Mauro Corrêa da Costa, gerente de compras sustentáveis da Natura, afirma que é preciso uma série de práticas que combinem visão de longo prazo, inovação tecnológica e, principalmente, relações de confiança com as comunidades fornecedoras.

Mauro Corrêa da Costa, gerente de compras sustentáveis da Natura. Foto de : Natura Brasil
“Não somos nós que produzimos a biodiversidade. São as comunidades que fornecem esses produtos”, explica Corrêa da Costa. Essa é a base do modelo de negócios que tornou a Natura uma das maiores multinacionais de cosméticos da região, com presença em 15 países, mas que, ao mesmo tempo, acumula certificações que destacam seu compromisso com a proteção ambiental.
Corrêa da Costa enfatiza que essa estratégia não é um modismo, mas sim parte da identidade da empresa desde a sua criação. "Para a Natura, ser sustentável não é um complemento. Fomos fundados em 1969 com essa visão. A Natura não foi criada simplesmente para vender cosméticos, mas para estabelecer uma relação com as pessoas, a natureza e a sociedade", observa.
Em suas palavras, a sustentabilidade não é um departamento separado, mas sim o cerne da empresa: "É algo profundamente enraizado em nossa história, enraizado na visão de nossos fundadores. A Natura nunca foi apenas uma empresa de cosméticos."
Princípios internacionais e visão de longo prazo A Natura tomou como ponto de partida princípios reconhecidos internacionalmente. "Adotamos os princípios que são recomendações de um TBT criado em 2000, com o qual já vínhamos trabalhando com outras empresas ao redor do mundo. São princípios de biocomércio que consideram uma cadeia de suprimentos sustentável", observa.
Essa referência se traduz em um plano estratégico de longo prazo: "Cada comunidade com a qual trabalhamos desenvolve um plano de ação de cinco anos para alcançar esses princípios do biocomércio".
O foco não está apenas em questões comerciais, mas também no impacto ambiental e social. O executivo enfatiza que a empresa já está considerando como serão os ecossistemas em dez anos, quais espécies serão conservadas e quais práticas devem ser consolidadas para garantir sua regeneração.
"Hoje, já temos que pensar no que será afetado daqui a 10 anos, no que foi conservado e no que precisa ser restaurado. É um processo de recomendações e práticas fundamentais quando falamos de biodiversidade", diz Corrêa da Costa.

As relações comunitárias são fundamentais para o estabelecimento de cadeias de suprimentos sustentáveis. Foto: Edwin Caicedo. EL TIEMPO
Um dos pilares centrais da estratégia é a embalagem, responsável por grande parte do impacto ambiental da indústria cosmética. "Precisamos monitorar a embalagem porque ela é muito importante: é onde ocorre o maior consumo de materiais. As embalagens precisam ser recicladas e, cada vez mais, feitas com biomateriais", afirma.
O executivo reconhece que a reciclagem não basta: o desenvolvimento de novas soluções precisa ser acelerado. "Aqui, as pessoas precisam concentrar seus esforços em acelerar todo o processo de embalagem. É um ponto muito importante, com um impacto significativo", acrescenta.
Além das embalagens, o foco se estende à matriz energética e ao uso eficiente da água. "Estamos investindo fortemente em inovação tecnológica, com foco em energias cada vez mais limpas", afirma Corrêa da Costa. Entre as alternativas que estão sendo exploradas estão a fonte solar e a migração gradual para sistemas de energia renovável.
A água, recurso essencial para a produção, é outra área de atuação: "O aproveitamento da água é fundamental. Não podemos nos esquecer disso. Em cosméticos, embalagens e monitoramento da água são duas áreas onde precisamos ampliar nossos esforços."
A relação com as comunidades Embora inovação e tecnologia sejam essenciais, o cerne do modelo está na conexão com as comunidades fornecedoras. "Não há outra maneira de estabelecer confiança com as comunidades do que estando presente. O grande diferencial é sempre a transparência", afirma Corrêa da Costa.
Para ele, essa transparência não depende de resultados imediatos: "Trata-se de uma relação 100% transparente, sejam as notícias boas ou ruins. É isso que nos permite construir confiança."

O relacionamento com as comunidades é fundamental para a visão da Natura. Foto: Edwin Caicedo. EL TIEMPO
Nesse sentido, para Corrêa da Costa, há cinco pontos-chave que toda empresa deve considerar se quiser incorporar a sustentabilidade ao seu DNA:
- Reconhecer as comunidades como protagonistas, não meras provedoras.
- Adotar padrões internacionais de biocomércio que garantam uma estrutura sólida.
- Planejamento de longo prazo, com metas de cinco e dez anos, focado na regeneração de ecossistemas.
- Inove em embalagens, energia e água para reduzir impactos em toda a cadeia produtiva.
- Construa relacionamentos transparentes de confiança, mesmo diante de dificuldades ou más notícias.
O executivo é enfático ao destacar que este não é um processo simples, que exige muita inovação e comprometimento, mas que isso se traduz em valor econômico para a empresa e benefícios para as comunidades e os funcionários. Uma receita complexa, mas alcançável. "Para nós, a sustentabilidade não é uma meta a ser alcançada no futuro, mas sim a forma como existimos", conclui.
Jornalista de Meio Ambiente e Saúde
eltiempo