Electra, qual versão você deve escolher?
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Matar uma mãe há mais de 2000 anos e ainda ter o assassinato lembrado não costuma ser a norma. E conhecer todas as três versões do crime também não costuma ser a norma. E se, além disso, aqueles que o escreveram foram três autores do teatro grego clássico - Ésquilo, Sófocles e Eurípides - este crime permanecerá na memória para sempre. Agora, as versões de cada uma delas convergem na peça apresentada no Lliure por Alícia Gorina e Albert Arribas, Electra, um espetáculo que percorre, em uma hora e meia, o cerne dos três espetáculos.
Os fatos são claros: Electra e Orestes mataram sua mãe, Clitemnestra. No entanto, se nos perguntarmos sobre as circunstâncias que levaram ao crime, as explicações divergem: "Pegamos a essência do que separa cada tragédia", diz o diretor. O espetáculo é composto por três versões abreviadas de cada uma das tragédias de Electra, uma para Ésquilo, uma para Sófocles e uma para Eurípides, que, num exercício de estilo, explicam o mesmo mito três vezes.
Para os gregos, as sombras são o testemunho da alma das pessoas" Alicia Gorina Diretora
“A ênfase é colocada no como e nas implicações de cada maneira de fazer as coisas, tanto a favor quanto contra”, diz o dramaturgo Albert Ribas. A mesma tragédia contada, porém, a partir de três pontos de vista diferentes que, além de narrar um assassinato, são também um reflexo da origem do gênero teatral: “Ao condensar cada uma das peças em “microfilmes” de 30 minutos, mergulhamos no que significa fazer teatro”, diz Arribas.
O fato, um assassinato, é a única coisa que permanece imperecível nas três versões, enquanto o espaço, a iluminação, os figurinos e a interpretação se adaptam às épocas de cada um dos criadores. Com Ésquilo, a tragédia leva o nome de Les coèfores. Em Sófocles, Electra já é protagonista e na tragédia de Eurípides, a personagem principal é deformada e abordada de outra perspectiva.
Os atores da peça, que fazem parte do novo projeto do IT Teatre LLiure, são formados pelo Instituto de Teatro. Uma decisão que não é trivial: “O fato de trabalhar com pessoas que estão começando a carreira profissional está relacionado à vontade da peça. Isso estabelece uma semelhança entre a jornada pelas origens do teatro, que o espetáculo pretende acompanhar, e atores que estão começando a carreira", afirma o diretor.
A jornada de uma obra para outra é como o teatro ocidental é construído" Alicia Gorina Diretora
O movimento é outro personagem da obra: “Na tragédia de Ésquilo podemos intuir a origem do teatro a partir de rituais arcaicos, nos quais o trabalho físico ganha relevância”, diz Albert. Dessa forma, o movimento se torna um ator que participa do espetáculo, dialoga com os demais atores e revela o que só as sombras de um crime ousam revelar. Elas são mais um elemento do assassinato cometido pelos dois irmãos: “Para os gregos, as sombras são o testemunho da alma das pessoas”, diz o diretor. Como testemunhas do crime, a fisicalidade dos atores torna-se culpada do assassinato.
Electra de Gorina pode ser vista no Espai LLiure de quinta-feira até 23/03. Ela percorrerá diferentes municípios do distrito de Barcelona no âmbito do projeto Reverberacions IT Teatre Lliure , uma reconstrução das três versões da tragédia que condenou dois irmãos e, assim, percorrerá as origens do gênero teatral: "O percurso de uma obra à outra é como se constrói o teatro ocidental", diz Gorina.
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