Feira do Livro de Lisboa: 31 novidades para descobrir na grande livraria ao ar livre

Num País que lê pouco mas onde são editados, em média, 30 novos livros por dia, o período da Feira do Livro de Lisboa tornou-se, como o Natal e a rentrée, um dos momentos do ano em que as editoras mais apostam em lançamentos. Afinal, entre 4 e 22 de junho, esta é a maior e mais frequentada livraria do País, com 350 pavilhões no Parque Eduardo VII (há, este ano mais cinco participantes) que disponibilizam mais de 85 mil títulos.
Se é verdade que muitos acorrem à Feira à procura de bons preços e descontos em livros mais antigos, também é cada vez mais notório que as editoras apostam forte nos lançamentos de novidades, com apresentações, debates e as clássicas sessões de autógrafos. Mais de 2 mil eventos estão programados para os 19 dias que dura a Feira, e há mesmo um novo espaço (a Praça Verde) prevista para acolher esses momentos. Às sextas-feiras, haverá concertos (destaque para o de Teresa Salgueiro na sexta-feira, 20 de junho, às 22h).
Com o objetivo de formar novos leitores, há nesta 95ª edição da Feira do Livro de Lisboa uma aposta forte na programação para os mais novos, que inclui a iniciativa Acampar com Histórias, que proporciona a grupos de 25 crianças, entre os 8 e os 10 anos, a oportunidade de dormirem entre livros e histórias na Estufa Fria (às sextas e sábados, inscrição: €20). Parque Eduardo VII > 4-22 jun, seg-qui 12h-22h, sex e véspera de feriados 12h-23h, sáb 10h-23h, dom e feriados 10h-22h > feiradolivrodelisboa.pt
FICÇÃO1. Pés de Barro
Nuno Duarte

Se, como se diz, a ponte é uma passagem, talvez pudéssemos acrescentar que uma ponte recriada pela literatura é uma viagem no tempo, neste caso a um regime que, sem o querer, vivia o seu estertor. Falamos de Pés de Barro, o primeiro romance de Nuno Duarte, vencedor da edição do ano passado do Prémio Leya, que nos conta a odisseia da construção da Ponte 25 de Abril. Estamos na década de 60 e o maior investimento público coincide com o início da Guerra Colonial. De um lado constrói-se, do outro mata-se. É essa a dicotomia que Nuno Duarte tão bem apresenta ao leitor, num extraordinário fresco da sociedade do Estado Novo. Além disso, este é também um romance que toma partido, o dos trabalhadores, retratados no seu ofício, no pátio onde vivem com todos os seus sonhos e angústias. Um romance de um autor já feito, capaz de dominar uma prosa contínua, saramaguiana, e de encontrar esperança num tempo histórico ainda distante do 25 de Abril de 1974. L.R.D. Leya, 312 págs., €17,70
2. Levarei o Fogo Comigo
Leila Slimani

Na tradição das grandes sagas literárias, Leila Slimani tem vindo a contar, através das liberdades da ficção, a história da sua família e do seu país, Marrocos, onde nasceu em 1981. É uma história pessoal, mas vale por um coletivo, na medida em que representa os dilemas que muitos têm enfrentado ao correr das últimas décadas, nomeadamente na luta pela modernização e pela conquista da liberdade. É também uma história de mulheres, cujos anseios, por norma, se concretizam na geração seguinte. Levarei o Fogo Comigo encerra a trilogia iniciada com O País dos Outros e Vejam como Dançamos, e centra-se na terceira geração dos Belhaj. As irmãs Mia e Inês são duas mulheres que chegam à viragem do milénio sem saberem muito bem como definir a sua identidade. Num enredo envolvente e íntimo, Leila Slimani transforma, com a força da sua escrita, uma memória familiar no retrato de um mundo com cada vez menos fronteiras . L.R.D. Alfaguara, 416 págs., €21,95
3. Manteiga
Asako Yuzuki

Começa em lume brando, seja pelo pretexto da indulgência foodie seja pela premissa do caso policial. Mas este best-seller, de uma escritora japonesa nascida em 1981, revela camadas mais complexas e combina elementos díspares à maneira gourmet: thriller psicológico, receitas de ramen salgado e de bolinhos de arroz fumegantes, denúncia da misoginia e do escrutínio sobre o corpo feminino (leia-se, o preconceito contra as mulheres roliças), e até uma canibalização de um caso real – o de uma chefe assassina em série (a “Assassina de Konkatsu”) acusada de envenenar três amantes. Manteiga junta à mesa – da prisão e da cozinha – a jornalista Rika Machida, que redescobrirá um apetite redentor pela vida, e a criminosa Manako Kajii, que diz não suportar feminismo e margarina, e manipula as indulgências, e não as aparências, a seu favor. O poder exercido pela comida, eis o prato principal deste romance desconcertante, em que muito começa por um pacote de manteiga – literal e metafórico. S.S.C. Casa das Letras, 520 págs., €24,90
4. A Matéria das Estrelas
Isabel Rio Novo

Vencedor do Prémio Literário Cidade de Almada 2024, o novo romance da escritora que biografou exaustivamente Camões tem um belo rapaz como protagonista trágico: o guarda-marinha Jacinto, que falha a chamada para o navio-patrulha Flamínio em janeiro de 1971, e a sua vocação para sulcar mares e aventurar-se por ilhas desconhecidas. A Jacinto, acabam por o descobrir inanimado, circunstância que marcará a sua vida inteira – vida dissecada pelo médico Eduardo, aqui narrador. Um destino falhado que cruza fios com os das histórias de navegadores como Bartolomeu Dias e com as aspirações quebradas de vários personagens neste Portugal do Estado Novo, numa escrita que supera a “poeira das estrelas.” D. Quixote, 192 págs., €17,70
5. Uma Catastrófica Visita ao Zoo
Joël Dicker

Eis um romance que, além de contar uma história, quer ter uma influência positiva nos seus leitores, levando-os a superar o que eventualmente os separa. É o próprio Joël Dicker quem o assume, num posfácio ao seu mais recente livro, ele que é um dos escritores de maior sucesso da atualidade. Nascido na Suíça, estreou-se literariamente há 12 anos, com A Verdade Sobre o Caso Harry Quebert, que marcou o início de um percurso literário com milhões de exemplares vendidos. Agora, e tendo em mente o ódio e a recusa da diferença que vê crescer um pouco por todo o mundo, Joël Dicker publica um livro para ser lido em família e em comunidade, para ser partilhado e discutido, para se ler e se sorrir com o outro. Além disso, Uma Catastrófica Visita ao Zoo contém os ingredientes das investigações de títulos anteriores, aplicados por um grupo de alunos muito especial e curioso. Alfaguara, 192 págs., €18,45
6. Diogo Alves, Serial Killer
Luís Pedro Cabral

Este livro, lançado em março, entra no grande caldeirão do “romance histórico”, mas não ficaria totalmente deslocado na categoria de não ficção. O jornalista Luís Pedro Cabral dedicou-se a investigar a vida do “primeiro serial killer português” (terá havido outros, cujos feitos ficaram perdidos num passado indocumentado…), Diogo Alves, o célebre “assassino do Aqueduto das Águas Livres”, assim chamado por atirar daí várias das suas vítimas inocentes. Os seus crimes chocaram a sociedade lisboeta e portuguesa do início do século XIX. Aqui, temos acesso a estes episódios, de forma romanceada, numa ponte construída entre realidade e ficção. O ambiente é o de uma Lisboa “de diversas camadas, de muitas maneiras cruel, onde se congregavam as mais diferentes proveniências em várias estirpes de pobreza” e onde “desenraizados de toda a parte se movimentavam no seu bulício imparável, como se todos os dias fossem dias de feira.” Diogo Alves tinha vindo da Galiza, fora aprendiz em cavalariças e tornara-se um “respeitável condutor de carruagens.” Mas a sua vida chegaria ao fim aos 31 anos, condenado à pena de morte por enforcamento. E é precisamente no dia da sua execução, no Cais do Tojo, que esta narrativa começa. Casa das Letras, 208 págs., €17,70
7. O Menino
Fernando Aramburu

“Determinar que dose de ficção ou de realidade haverá em mim deixa-me indiferente. Eu não poderia impedir que, tal como acolho o relato de vivências individuais, íntimas, intransferíveis, me usassem para um tratado historiográfico ou uma seca reportagem. Ainda não se inventou uma peneira de textos capaz de separar o que é inventado pelo autor, amiúde de forma involuntária, e o testemunho verídico”, lê-se a páginas tantas, como que explicando o trabalho do escritor na construção deste livro. Aramburu – autor basco celebrizado pelo romance Pátria (de 2016), best-seller traduzido para mais de 30 línguas e adaptado a uma série com a marca da HBO – baseia-se aqui num caso real, ocorrido em 1980: uma explosão de gás numa “quinta–feira lutuosa”, numa escola em Ortuella, no País Basco, que vitimou 50 crianças. O menino que dá título ao romance, vítima desse terrível acidente, é o centro desta teia de personagens que têm de lidar consigo próprias e com as suas vidas no meio da tragédia. Dom Quixote, 224 págs., €17,70
8. Gente da Casa
Abdulrazak Gurnah

Muitos vencedores do Prémio Nobel de Literatura confessaram a dificuldade que sentiram em regressar à escrita depois da distinção da Academia Sueca, com tudo o que ela implica de solicitações, viagens e atenção mediática, sem esquecer a pressão em que normalmente este lançamento está envolvido. Vencedor em 2021, Abdulrazak Gurnah manteve o intervalo habitual dos últimos lançamentos e devolve-nos, em Gente da Casa, o seu universo literário, centrado em personagens que vivem e tentam superar os desafios de uma região, Zanzibar, em mudança. Esta Gente da Casa é, por isso, gente do seu país, homens e mulheres que se sentem acossados pela pressão do turismo dos anos 90, que tudo transforma. Karim, Fauzia e Badar têm de se adaptar aos novos tempos, que Abdulrazak Gurnah nos revela na sua prosa delicada, atenta aos pequenos abismos e sortilégio do dia a dia. Cavalo de Ferro, 264 págs., €20,95
9. As Mortes do Meu Pai
Joaquim Arena

Vencedor do Prémio Oceanos, um dos mais importantes da língua portuguesa, em 2023, com Siríaco e Mister Charles, Joaquim Arena regressa ao romance, depois de já no ano passado ter lançado a narrativa longa O Sabor da Água da Chuva e Outras Memórias da Amiga Perfeita. É mais um sinal de um escritor de múltiplos interesses, com incursões no género histórico e na memória coletiva, tanto a de Cabo Verde, onde nasceu, em 1964, como a de Portugal, de onde é parte da sua família e onde viveu na sua infância e juventude. As Mortes do Meu Pai é uma estimulante recriação da guerra civil que, no século XIX, opôs absolutistas e liberais depois da Convenção de Évora Monte. Joaquim Arena dá-nos o destino trágico de José Joaquim dos Reis, o Remexido, partidário, no Algarve, de D. Miguel, visto e contado através de diferentes olhares: o da filha, o de um negro descendente de escravos e o de um habitante de Albufeira. Quetzal, 248 págs., €17,70
10. De Onde Eles Vêm
Jefferson Tenório

Mia Couto diz desta prosa que é “enxuta e despojada, ao jeito de uma confidência”. Ao terceiro livro editado por cá, o escritor confirma esse seu domínio dos mecanismos narrativos para denunciar a exclusão social no Brasil, o olhar dos deserdados dos condomínios: sem dramatismos, com pontaria e uma voz que tem o seu quê de autobiográfico. Joaquim, um rapaz “negro retinto”, órfão e cuidador de uma avó demente, entra na universidade pelo sistema de “cotas raciais”, fintando barreiras disfarçadas de burocracia: ele quer ser poeta. O seu rumo e relação com os outros será marcado pelos rótulos e obstáculos que lhe colam à pele. Ele permanece um desassombrado. “Fechei os olhos. Eu era um idiota tateando no escuro em busca de beleza num ônibus fedido… a caminho de Alvorada. Tive ali a consciência de que a beleza era a coisa mais imprecisa do mundo.” Companhia das Letras, 224 págs., €16,65
11. A Trilogia de Paris
Colombe Schneck

Anunciado como “resposta a Annie Ernaux e em conversa com Elena Ferrante”, este livro reúne três relatos semiautobiográficos, três momentos captados num caminho existencial em que a lucidez é passageira frequente. Quem escreve, e quem lê, vê-se ao espelho. Em Dezassete Anos, a romancista, eufórica, questiona-se em plena década de 1980: “Alguma vez na história as raparigas de 17 anos foram tão livres como eu?” Uma gravidez inesperada corta o cordão umbilical do otimismo e da ilusão de poder total sobre o seu corpo… Na narrativa Duas Burguesinhas, uma longa amizade, a de Esther e Heloise, é interrompida pela morte. O arco do volume encerra – ou melhor, abre o horizonte – com A Ternura do Crawl sobre um affaire vivido aos 50 anos com final agridoce e cenário de piscina. Vidas vividas. D. Quixote, 232 págs., €17,70
12. No Fio Inconstante dos Dias
Shen Fu

Publicado pela primeira vez em Portugal, este clássico da literatura chinesa do século XIX, cuja primeira tradução ocidental data de 1935, pretende ser “fiel no conteúdo” por entre leituras das várias traduções, adverte o editor. Sob o subtítulo Memórias de uma Vida Flutuante, reúnem-se, aqui, quatro relatos dos seis integrados na obra original (dois relatos foram perdidos), fundindo os registos autobiográfico, poético e documental. Pela mão de um funcionário público que não ascendeu na hierarquia, mas confessa ter tido sorte por ter casado por amor, uma raridade num tempo de matrimónios combinados pela família, este é também o retrato da China oitocentista, dominada por estruturas sociais rígidas e superstições várias. Shen Fu descreve a sua história de amor com a culta e sensível Yun, por entre viagens de trabalho e belas paisagens, poesia e lutos, cerimónias do chá e concubinas. Guerra e Paz, 216 págs., €17
NÃO FICÇÃO13. Gaza Está em Toda a Parte
Alexandra Lucas Coelho

Este volume de reportagens, crónicas e fotografias da jornalista Alexandra Lucas Coelho começa com a publicação de um texto que saiu na revista VISÃO História em julho de 2017. E a primeira frase dessa reportagem realizada na Faixa de Gaza (“40 km de comprimento por 6 a 10 de largura”) rezava assim: “Um palestiniano deixar a Faixa de Gaza é das coisas mais difíceis do planeta.” Hoje, quando está em curso a ocupação total do território por parte de Israel e a deslocação da grande maioria da sua população, há ecos sinistros nessa frase. Todos os outros textos resultam de viagens à Cisjordânia, a Israel e a Jerusalém Oriental realizadas depois do 7 de outubro de 2023 (dia do ataque do Hamas e de outros grupos armados no Sul de Israel, que fez centenas de mortos e reféns). O rigor jornalístico, as páginas habitadas por pessoas e vozes que nos transportam para estes lugares nos “dias mais cruéis do nosso tempo”, convive aqui com a voz comprometida da autora. O livro termina com o apelo deixado por um jornalista de Gaza assassinado pelas forças israelitas: “Não deixem o mundo olhar para o lado.” P.D.A. Caminho, 552 págs., €24,90
14. Hannah Arendt – A Biografia
Thomas Meyer

Cinquenta anos volvidos sobre o desaparecimento de Hannah Arendt (1906-1975), Thomas Meyer quis apresentar a vida e obra da ensaísta alemã “inseridas na sua época”, apoiado em materiais de arquivo até agora inéditos – ou seja, fazer uma leitura algo liberta da percepção hoje associada à autora de As Origens do Totalitarismo. Essa possibilidade de Arendt poder estar “afundada até aos joelhos nos preconceitos do seu tempo” fá-lo vasculhar contextos e minudências da época da filósofa que cunhou o conceito de “banalidade do mal”, por ela defendido durante o julgamento de Adolf Eichmann, um dos responsáveis pela “solução final” nazi. E é assim que esta biografia, de leitura intensa, começa em Lisboa, a 10 de maio de 1941, quando Hannah embarca num navio com destino a Nova Iorque, onde se tornaria uma figura cimeira da intelectualidade – o caminho possível para a até então refugiada em Paris, que apoiava jovens judeus em fuga ao braço nazi que alastrava pela Europa. S.S.C. Edições 70, 532 págs., €32,90
15. O Colapso da Verdade
Germano Almeida

Se o título já nos inquieta, o subtítulo é mais direto e não nos deixa mais descansados: “A reeleição de Trump e o risco democrático na Europa e no mundo.” Se olharmos para a contracapa, o desespero pode superar a inquietação. “O farol da liberdade no Ocidente ruiu”, lemos. O jornalista Germano especializou-se, nos últimos anos, na complexa democracia norte-americana, que agora vê ameaçada. Nestas páginas (com prefácio de Ana Gomes e posfácio do major-general Arnaut Moreira) ajuda-nos, com muitos dados, a refletir sobre um “one man show” que tem a capacidade de afetar vidas um pouco por todo o mundo. Ideias de Ler/Porto Editora, 244 págs., €17,70
16. Ir a Havana
Leonardo Padura

Para quem leu os romances de Leonardo Padura, este é um livro de leitura obrigatória. Para quem se interessa pela história contemporânea, nomeadamente pelo lugar de Cuba no imaginário político do século XX, este é um volume indispensável. E mesmo para quem não se incluiu nas duas categorias anteriores, este é, também, um livro recomendável. O escritor Leonardo Padura conta-nos a história da sua cidade, Havana, ao correr dos tempos, desde a sua fundação, há mais de 500 anos, até às grandes transformações pós-Revolução e atuais. E tudo é contado através da sua experiência, ele que vive na mesma casa onde nasceu há 70 anos, do olhar de um escritor que foi levando o real para os seus romances, e a literatura para a cidade. Além de memórias pessoais, o volume recolhe textos jornalísticos de Padura sobre Cuba. Porto Editora, 276 págs., €19,99
17. Igualdade, o que É e Porque É tão Importante
Thomas Piketty e Michael J. Sandel

São apenas 120 páginas que nos servem uma conversa, um diálogo em discurso direto entre o economista francês, especializado em desigualdades económicas, Thomas Piketty e o professor-estrela de Harvard Michael J. Sandel (também autor da série da BBC The Global Philosopher). Como não podia deixar de ser, é um excelente ponto de partida para refletirmos sobre várias questões do nosso tempo e a esperança possível num mundo (que tantas vezes nos parece uma utopia longínqua) com menos desigualdades. O último capítulo tem um título especialmente pertinente, quando se pensa na nossa atual realidade política: “O futuro da esquerda: economia e identidade.” Presença, 120 págs., €12,90
18. Dicionário de Proust
João Pedro Vala

Todos (e são muitos…) os amantes de literatura que mitificam o nome de Marcel Proust mas nunca conseguiram ler todos os volumes do seu grande clássico Em Busca do Tempo Perdido têm aqui, certamente, uma leitura proveitosa. João Pedro Vala, nascido em Lisboa em 1990, leu e releu essa obra central da literatura europeia. Licenciado em Gestão, optou por fazer um doutoramento, na Faculdade de Letras, com uma passagem por Chicago, sobre Proust. Muito do que aprendeu no processo é-nos servido aqui, sob a forma de dicionário (um texto para cada letra), com uma prosa escorreita e descontraída. Dele saímos (quase) especialistas em Marcel Proust, mesmo sem nunca termos lido À la Recherche du Temps Perdu… Quetzal, 280 págs., €18,80
19. O Espanhol que Encantou o Mundo – Julio Iglesias, vida e época
Ignacio Peyró

Sim, é uma biografia do cantor romântico Julio Iglesias, nascido em Madrid em 1943, mas é bem mais do que isso. O escritor, jornalista e tradutor espanhol Ignacio Peyró, atual diretor do Instituto Cervantes em Roma, faz, a partir do percurso pessoal dessa estrela planetária nascida em Espanha quatro anos depois do fim da sangrenta guerra civil no país, uma espécie de história contemporânea de Espanha, com a transição do franquismo para a democracia como eixo central. Zigurate, 272 págs., €19,90
20. Náufragos
Sophie Elmhirst

Há histórias em que a principal missão – e dificuldade – de um jornalista é não acrescentar nada, evitando cair na tentação de embelezar o que aconteceu ou imaginar o que sentiram os protagonistas. Esse é um dos principais méritos da Sophie Elmhirst, o outro é o ter sido capaz de encontrar a história de Maurice e Maralyn Bailey, um casal que andou à deriva no oceano Pacífico durante 118 dias. É uma extraordinária história de sobrevivência, de coragem e resiliência, de amor e capacidade de lidar com o presente e não perder a fé no futuro. É, também, uma história de muito azar e de alguma sorte, que Elmhirst nos oferece, passo a passo, com rigor e empatia, desde os antecedentes ao que se viveu depois. Zigurate, 224 págs., €19,60
21. Cartas para a Vila Berta
Miguel Esteves Cardoso

Estaria o jovem Miguel Esteves Cardoso a pensar ser lido no futuro quando dirigia esta correspondência, a partir de Manchester, ao seu amigo Carlos Vilela, na Vila Berta, Graça, Lisboa? Acreditamos que não, mas por vezes é fácil achar que sim. Esse tal Vilela nunca respondeu a Miguel. “Sei que algum dia responderás a todas estas cartas, não me preocupa que não o faças agora”, lê-se na mesma missiva em que pedia ao amigo para arquivar todas estas suas “cartitas”: “Porque eu depois quero lê-las (sim, o narcisismo!)”. Aqui, os leitores têm acesso a um MEC entre os 20 e os 24 anos, enquanto se licenciava em Estudos Políticos em Inglaterra num registo próximo do diário. Ontem como hoje, mantém-se a pulsão da escrita, o exercício quotidiano de transformar a(s) realidade(s) em palavras escritas. Bertrand, 360 págs., €18,80
POESIA22. Adeus, Campos Felizes
Rui Lage (org.)

Para leitores e não leitores de poesia há uma ligação natural entre lirismo/poesia e bucolismo/Natureza; uma relação que atravessa épocas e estilos. Nesta “antologia do campo na poesia portuguesa do século XIII ao século XXI”, pensada e concretizada pelo poeta Rui Lage (que nela incluiu também um ensaio seu, que dá título ao livro e se complementa com o subtítulo “Do campo ideal e do campo real na poesia portuguesa”), sublinha-se essa conexão nos poetas de língua portuguesa. E esta é uma viagem que nos leva para muito longe dos nossos dias. Numa organização cronológica ao longo de mais de 500 páginas, o primeiro poeta aqui antologiado é Gil Peres Conde (1220?-1286), num português arcaico que já nos é estranho, o mais recente (neste caso, “a”) é Andreia C. Faria, nascida em 1984. Pelo meio, encontramos aqueles de que estamos à espera (D. Dinis, Camões, Cesário Verde, Camilo Pessanha, Teixeira de Pascoaes, Torga, Eugénio de Andrade…) e muitos outros, num grande exército lírico e pacífico com o olhar perdido no horizonte dos campos. P.D.A. Assírio & Alvim, 664 págs., €28
23. Livro de Caligrafia
Nuno Júdice

Começam a surgir os primeiros inéditos encontrados no espólio de Nuno Júdice, agora que se assinala um ano da sua morte. Escritor compulsivo, o poeta (também romancista, professor universitário, ensaísta e crítico) adorava escrever em cadernos de vários tamanho e feitios. Muitas vezes, cada um recolhia uma unidade sólida associada a um tema ou a um livro. Foi o que o investigador, também poeta, Ricardo Marques encontrou num caderno, justamente intitulado Livro de Caligrafia e contemporâneo de Meditação sobre Ruínas (de 1994). É o fac-símile e a transcrição desses poemas que aqui se publica. Dom Quixote, 80 págs., €15,50
24. Lamento por uma Pedra e Outros Poemas
W.S. Merwin

Com versões, recolha e introdução do poeta Jorge Sousa Braga, este volume bilingue aproxima-nos do universo do poeta norte-americano W.S. Merwin (1927-2019), vencedor por duas vezes do prémio Pulitzer de poesia. O “poeta que plantava palmeiras”, chama-lhe Sousa Braga. A Natureza, e a consciência ecológica, é um dos temas que atravessam a sua obra. Como neste breve poema (Testemunha): “Quero dizer-te como eram/ as florestas// terei de falar numa língua/ esquecida.” Assírio & Alvim, 264 págs., €17,70
25. Vida: Efeito-V
Carlito Azevedo

Lê-se: “Alguém lava/ o rosto pela manhã,/ ouvindo o alarido/ dos pardais nas/ árvores da rua// pensa:/ pardais xintoístas.” Na página ao lado, estes versos: “Alguém diz que viver/ depende da posição/ do olhar/ para o sol/ e não da quantidade/ de busca de/ uma verdade.” São pistas desfiadas pelo poeta brasileiro depois de mais de sete anos de bloqueio, tempo em que o mundo teve sobressaltos, incluindo o da pandemia. A escrita desarruma-se, ora na mancha inteira ora pontuando o espaço. Entre a elegia e a psicanálise, há Brecht e Perec, Kandinsky e Max Jacob, mas também os irmãos mortos, o amor que lhe sublinha frases da biblioteca, os desconhecidos. “Há noites que/ são o ponto de/ sutura de/ uma vida inteira.” Tinta-da-China, 128 págs., €15,90
26. Erros Meus – Poesia Incompleta
Nuno Artur Silva

Mais conhecido pela criação e direção das Produções Fictícias, que revolucionaram o humor e a televisão portuguesas, pelo lançamento do Canal Q, pela passagem pela RTP e pelo governo e até por várias colaborações no universo da BD, Nuno Artur Silva também é autor de vários livros de poesia, que começou a publicar nos anos 80, e que agora retoma com o lançamento de uma antologia. Ao contrário da ordem cronológica habitual, os poemas de diferentes livros e muitos inéditos estão agrupados em 12 capítulos temáticos, que sugerem leituras sequenciais ou narrativas. Imprensa Nacional, 496 págs., €27,50
INFANTO-JUVENIL27. Uma História a Sério
David Machado (texto) e David Pintor (ilustração)

Pega-se neste livro, lê-se a primeira página e vai-se por ali fora, sem parar, até à última frase, para saber como termina a aventura de dois irmãos metidos numa história entre realidade e imaginação. Em Uma História a Sério, David Machado volta a fazer dupla com o ilustrador David Pintor, para criar uma narrativa empolgante, cheia de ação, que envolve ursos, fantasmas, ladrões, polícias, piratas e extraterrestres. Tudo começa na sala de estar, quando o irmão mais novo pede à irmã para esta lhe contar uma história. Ela explica-lhe que tem trabalhos de casa para fazer, que era melhor pedir aos pais. Mas a mãe está a trocar mensagens com as amigas e o pai a jogar um jogo no telemóvel. “Além disso, eles não sabem inventar histórias como tu”, diz o mais novo. “Quando tu inventas uma história, eu consigo ver as coisas que contas como se estivessem a acontecer.” I.B. Caminho, 48 págs., €14,40
28. A Expedição Rocambolesca do Professor Mariposa
Vanessa Simon-Catelin

Levana misteriosa é uma espécie de borboleta que a comunidade científica julga estar extinta, mas o professor Óscar Mariposa não acredita nisso. Assim parte à aventura, acompanhado pela ave palradora que trouxe das ilhas do Grande Blablá, armado com uma rede e um caderno de apontamentos. Uma história bem-humorada, cheia de pormenores e surpresas que estimulam a imaginação, e que fala da importância das borboletas para o equilíbrio do planeta. Nuvem de Letras, 40 págs., €14,65
29. A Casa Invisível
Francisca Camelo (texto) e Carolina Celas (ilustração)

Há coisas misteriosas que acontecem numa casa. Pode ser uma cama desfeita de manhã que aparece feita à noite, uma chávena quente que surge na mesinha de cabeceira quando alguém fica doente, ou um banquete sempre diferente e cheiroso, cozinhado à hora do jantar. Mas que percepção terá uma criança do invisível que a envolve enquanto cresce? Francisca Camelo, autora de poesia, estreia-se na literatura para a infância com um livro belo que nos fala de amor, esse sentimento humano que se reflete em atos tão diferentes quanto as tarefas diárias mais comuns. APCC – Associação para a Promoção Cultural da Criança, 40 págs., €7,50
30. Pouco a Pouco
Amanda Gorman (texto) e Christian Robinson (ilustração)

Amanda Gorman, a jovem poeta que participou na tomada de posse presidencial de Joe Biden, acredita que até os gestos mais simples podem fazer a diferença. Veja-se este menino perante o monte de lixo e objetos descartados que se acumula à porta da sua casa. Os vizinhos dizem-lhe que não há nada a fazer, o problema é grande demais. Dizem-lhe para se sentar e esperar, para não ter esperança… Até que um dia, ele encontra alguém que acredita que o problema pode resolver-se. E resolve-se. Orfeu Negro, 40 págs., €14,50
31. A Masmorra Infernal
Ian Livingstone

Ali pelos anos 1980 e 1990, venderam-se milhões de exemplares em todo do mundo de uma coleção inovadora na época, concebida por Steve Jackson e Ian Livingstone, ambos escritores e designers de jogos britânicos, responsáveis por fundar a empresa Games Workshop. Sob o nome Aventuras Fantásticas, editaram-se uma série de livros de aventuras que se jogam, com dados e lápis, e em que o leitor pode escolher que rumo toma a história. A Porto Editora recupera agora estes livros, reeditando dois deles sob a denominação original britânica: Fighting Fantasy. A Masmorra Infernal (lançado em Portugal em 1987, pela Editorial Verbo) e O Feiticeiro da Montanha de Fogo (em 1985) regressam às livrarias portuguesas com as capas que os popularizaram. Porto Editora, 224 págs., €15,50
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