Inteligência Artificial: EUA vs. UE
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Quase sempre, cada um é levado a fazer aquilo em que se viciou. Só que, em muitos casos, não sair da rotina dominante em que se caiu, cria fortes obstáculos aos fins que se pretendem.
A União Europeia envereda insistentemente na regulamentação. É reconhecido esse seu pendor. Há quem afirme que, no seu ADN, funciona “a mente” de um chip “frenesim regulatório”, varrendo tudo em que toca para a burocratização. O melhor produto de Bruxelas é tóxico, burocratiza/emperra a vida de todos, empresas, estados, famílias. Tudo.
Ursula von der Leyen, na sua “bússola da competitividade”, parece ter despertado para esta malévola tendência do “frenesim regulatório”. Disse, então, que vai mesmo desburocratizar tudo e depressa, mas ao anunciá-lo caiu logo na armadilha, ao apontar caminhos ínvios, a criação de um leque de estruturas completamente inúteis para a finalidade de tornar uma União Europeia competitiva. Muito melhor seria, por exemplo, ter dito que iria pensar em como transformar a DG Concorrência numa entidade de apoio e não de bloqueio enviesado ao funcionamento eficaz da UE.
Está difícil à UE romper com esta teia em que se envolveu. Agora, inventou em parceria com Macron uma outra simulação para os problemas. “Retiros e Cimeiras” para tudo. E, daí, o que tem vindo ao mundo?! Conclusões úteis, poucas ou nenhumas, indefinições e divisões, muitas.
Inteligência Artificial
Na Inteligência Artificial (IA), os primeiros passos da União Europeia foram logo canalizados para a legislação, quando a União Europeia tinha ainda uma posição insignificante no Ecossistema da IA. Um ou outro país europeu, talvez com algum relevo a França, já ia aparecendo em alguns domínios da IA, mas em muito menor grau do que se passava nos EUA e na China, mas a União Europeia em si, pouco ou nada fizera e, quando “desperta”, empurra-se logo para a regulação que elegeu como sua prioridade.
Promover uma estratégia, pensar e implementar, de forma dinâmica, a cooperação entre laboratórios de investigação e empresas de diferentes países-membros pouco mereceu ou tem merecido a atenção da Comissão Europeia. Escusado é dizer que China e EUA discordam da UE nesta abordagem. E com razão dizem ser a legislação apertada, como defende a UE, um verdadeiro freio à evolução da IA.
Com Trump, sem dúvida, a situação acelera-se e o desígnio é dominar tecnologicamente o mundo da IA em que, de facto, os EUA estão na frente. Consolidar essa posição será o grande desígnio de Trump.
E, assim, em 21 de Janeiro, no dia seguinte à sua tomada de posse, lança o programa “Startgate”, a quatro anos, num montante de 500 mil milhões de dólares com o apoio de alguns grandes players do sector (OpenAI, Oracle, …) para disputar o mercado mundial que disputa 35% da capitalização bolsista, à frente de sectores como a energia e a banca.
Os EUA, com uma posição já confortável com Biden, querem consolidar e manter-se pioneiro como aconteceu com a OpenAI.
Só que a Start-up chinesa, DeepSeek, veio abalar o mercado, no final de Janeiro com o seu Chatbolt R1, provocando um tombo bolsista de gigantes tecnológicos americanos, como a Nvídia que, segundo alguns analistas, se encontra em situação complexa de sobrevivência.
A Start-up DeepSeek veio abalar a confiança dos grandes grupos tecnológicos americanos de IA pois com muito menos custos de investimento – seis milhões de dólares (contra cinco mil milhões da OpenAI/ano) – apresentou um produto similar aos existentes e com menos gastos de consumo de energia, outra área que está a exigir grandes cuidados e decisões, por exemplo, alguns grupos tecnológicos a fazer joint-ventures com produtores de energia nuclear para responder às necessidades previsíveis de consumo.
A dúvida está latente. Porque se gasta tanto, quando outros fazem igual ou parecido com muito menos Investimento e com menos consumo de energia?! Esta situação questiona a aposta no programa de Trump, (não será preciso repensar tudo?!) e aos grupos tecnológicos se não terão de corrigir os caminhos traçados.
Elon Musk até se mostrou perplexo com o programa anunciado e logo apareceram as vozes a clamar desentendimento! Pouco tempo depois, aparece com o Grok3, um software, última versão do seu robot conversacional, desenvolvido pela sua empresa de IA, para competir com o ChatGPT e o DeepSeek, anunciando que se trata da “IA mais inteligente da Terra”.
A Europa tenta algo…
A Europa tinha de responder e então Macron, agora numa roda-viva de promotor de “Cimeiras e Retiros”, nem sempre se percebendo como se substitui ou sobrepõe tão facilmente à UE, promoveu, em Paris, nos dias 10 e 11 de Janeiro, no Grand Palais, a II Cimeira Mundial de IA, com a presença de Chefes de Estado, Dirigentes de organizações internacionais, Peritos e Representantes da sociedade civil.
A Cimeira, coordenada pela França e Índia, apontou uma série de princípios genéricos interessantes. Para Macron, a Cimeira vai servir para “ressincronizar” a Europa com a China e EUA, garantindo que a regulação não vai sufocar o crescimento do sector na Europa. Parece ter percebido a mensagem dos adversários.
A Comissão Europeia, pela voz de Ursula von der Leyen, aproveita para anunciar no segundo dia da Cimeira que a União Europeia vai investir 200 mil milhões de euros de Investimentos em IA, saindo 50 mil milhões de fundos comunitários e sendo 20 000 milhões aplicados em centros de dados com equipamento mais avançado que os actuais, que, segundo a Comissão, é necessário para permitir o “desenvolvimento colaborativo” dos modelos de IA mais complexos.
Este anúncio segundo a comunicação social que cobriu o evento vem na sequência do de Macron que, no Domingo antes, apresentara um “plano de investimentos de 109 mil milhões de euros para projetos de IA em França, nos próximos anos”.
A Cimeira foi bem participada, Ursula von der Leyen passou a sua mensagem tentando “rivalizar” com Trump, mas sem um programa muito objectivo. A Cimeira culmina com uma declaração, assinada por 60 países, entre eles a China, mas sem a concordância dos EUA e Reino Unido.
Seis são as principais conclusões da Declaração: reduzir as divisões digitais; garantir a acessibilidade; impulsionar o desenvolvimento sustentável; fomentar a inovação; reforçar a governação global; assegurar que a IA contribua positivamente para o futuro do trabalho. Cada conclusão é um mundo com muitas leituras, algumas contraditórias.
Mas, de cada um desses “mundos”, não consegui retirar resposta clara para a grande questão: os participantes na Cimeira e, sobretudo os Estados, estão inclinados para apoiar uma IA onde contam e dominam os negócios das Big Techs, ou para uma IA entendida como valor público, orientada para o desenvolvimento tecnológico ao serviço da economia e da governação dos países.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.
jornaleconomico