Mamões há muitos e são adultos

- Não foi certamente por imaturidade político-científica que a ministra Palma Ramalho deixou transformar a amamentação e o luto gestacional nos temas principais da reforma das leis laborais. A ideia remete para uma tática primária do trumpismo. Isto porque desvia as atenções das alterações substanciais que o governo quer introduzir, num país onde se despede das formas mais ínvias, coletivas ou individuais, tirando na função pública e nas empresas do Estado. Não falando, claro, da exploração de trabalho clandestino ou desregulado. A mudança das regras de amamentação é baseada em perceções (uma ciência política lusitana) que o Chega e o PS vão obviamente chumbar no parlamento. A ministra quer que mulheres que beneficiam dessa possibilidade até aos dois anos passem a apresentar atestados semestrais de médicos de família (que muitas não têm) para mostrar que amamentam, coisa que só era exigida a partir dos dois anos. Subjacente a essa medida restritiva está a intenção de acabar com abusos por supostas amamentações até aos quatro anos e mais. Faz muito bem. Mas quando se trata de acabar com abusos, convém credibilizar com casos concretos e escandalosos. A ministra só tinha que os pedir ao seu grupo de estudo e exibi-los. Palma Ramalho é ministra do Trabalho e, sobretudo, da Segurança Social. O melhor é preocupar-se muito com este último setor, acabando com os muitos mamões que por lá andam. Esses vão de meros funcionários a dirigentes do Estado ligados a partidos, passando pelas múltiplas organizações sociais e “santas casas”, sem esquecer comunidades minoritárias especializadas em acumular diversos subsídios e apoios, invocando até falsos postos de trabalho.
- As próximas semanas vão ser decisivas para André Ventura. Segundo o próprio, terá de apresentar, até dia 18 de setembro, um governo sombra credível e um naipe de candidatos aos nossos mais de trezentos municípios. Isto num momento em que a legitimidade da direção política do partido tem de ser revalidada devido à existência de inconformidades com a lei, segundo o Tribunal Constitucional. A aceitação das listas estará, deste modo, condicionada pela justiça de comarca de cada autarquia, o que pode servir de álibi a Ventura para justificar uma falha ao compromisso. Se cumprir com a complexa apresentação, o Chega dará um passo para se confirmar como segundo partido português. E isso é coisa que só as autárquicas certificam, uma vez que são elas que mostram a implantação capilar de um partido. A tarefa é hercúlea! Já no governo sombra, Ventura não poderá manter o nível de quase indigência verbal e argumentativa que caracteriza a maioria dos seus deputados. Ali haverá que apresentar gente capaz de discutir questões nacionais e internacionais complexas. Ventura é um caudilho eficaz. Tem uma falange apoiante ativíssima e numerosa. Mas a massa do Chega é pior do que a dos dois outros grandes partidos -o que parecia impossível-. havendo muita gente bem preparada que se mantém renitente em aderir ao partido, ainda que nele vote. Ventura tem, pois, uma prova de fogo neste verão quente. Seguir-se-á uma complexa decisão sobre o Orçamento e outra quanto a presidenciais. Neste caso, o que se lhe exige é que apresente um candidato saído das suas fileiras ou reconhecidamente do seu espaço. Uma adesão oportunista a alguém que já esteja no terreno seria humilhante para quem fala tão grosso em nome dos portugueses. Ir o próprio Ventura passaria a torná-lo uma espécie de Tino de Rans premium, que tanto se apresenta para a junta, como para Belém.
- O delegado da RTP na Guiné-Bissau, Waldir Araújo, foi brutalmente agredido. Sabe-se que o noticiário produzido sob a sua alçada desagrada aos ditatoriais poderes locais. A direção de informação da RTP protestou contra esta brutalidade, tal como o conselho de redação e o sindicato dos jornalistas. Prevê-se para setembro a votação de um protesto no parlamento. Estranhamente, porém, não há nota de ter havido uma condenação pública da administração da RTP, única instância que fala pela empresa e a quem o delegado reporta, visto que o seu trabalho não se limita ao jornalismo, abrangendo todas as áreas da operadora de rádio e televisão pública.
Jornal Sol