Petróleo. Consumidor não deve sentir alívio no curto prazo

A Organização dos Países Exportadores de Petróleo e aliados (OPEP +) decidiu aumentar a sua oferta de petróleo em 547 mil barris por dia a partir de setembro, sendo este o sexto aumento mensal consecutivo e que se prende com a perspetiva económica global de estabilidade.
O Nascer do SOL tentou perceber as consequências desta decisão. João Queiroz, Head of Trading do Banco Carregosa, explica que este aumento representa «um movimento estratégico com efeitos práticos relevantes, embora não imediatos».
Em números, João Queiroz detalha que este acréscimo deverá corresponder «a aproximadamente 0,5% da procura mundial de petróleo, estimada em 105 milhões de barris por dia, o que pode parecer modesto, mas num mercado tão sensível a desequilíbrios marginais, pode gerar impactos significativos».
O efeito direto será, em teoria, «o alívio parcial de pressões sobre os preços, num contexto em que o Brent crude se mantém próximo dos 70 dólares por barril, um patamar elevado face à mínima recente de 58 dólares». No entanto, acrescenta, «o impacto dependerá da capacidade de absorção do mercado, sobretudo na Ásia, principal destino do crude transportado por via marítima».
Por outro lado, o especialista avisa que este movimento também pode ser interpretado «como um gesto de reequilíbrio interno» e que países como o Iraque e o Cazaquistão, «que vêm ultrapassando sistematicamente as suas quotas, beneficiam financeiramente deste aumento formal, enquanto a Arábia Saudita, tradicional reguladora de mercado, poderá estar a mudar de postura, dando prioridade à quota de mercado em detrimento da defesa de elevados preços».
Já Nuno Mello, analista da XTB, recorda que a OPEP+ ainda está «teoricamente limitada devido à queda na procura causada pela pandemia da Covid-19 e pelo ganho de quota de mercado dos EUA». Assim, este aumento está relacionado com o aumento da procura, como tal, «espera-se um equilíbrio entre oferta e procura a curto prazo».
No entanto, o especialista considera importante lembrar que o presidente Donald Trump afirmou que, se um cessar-fogo entre a Rússia e a Ucrânia não for acordado até esta sexta-feira, serão impostas tarifas aos países que comprarem petróleo bruto russo. «No entanto, não está claro se isso se aplicaria a países inteiros ou diretamente às empresas envolvidas na importação de petróleo russo. Atualmente, os principais importadores de petróleo russo são China, Índia e Turquia», detalha.
Boa decisão?
Questionado o que estará na base desta decisão e até que ponto foi acertada, João Queiroz recorda que este aumento «resulta de uma combinação de fatores que envolvem interesses comerciais, tensões geopolíticas e ajustamentos internos ao cartel», acrescentando que após três anos «de cortes agressivos que reduziram a produção conjunta em 5 milhões de barris por dia, o grupo procura recuperar protagonismo num mercado onde produtores fora da alçada da OPEP+, como Estados Unidos, Brasil, Canadá e Guiana, têm vindo a ganhar relevância». Só em 2025, «estes países deverão adicionar quase 1,3 milhões de barris diários à oferta global».
E recorda que o grupo «enfrenta desafios internos de disciplina: vários membros têm ignorado os limites impostos e excedido sistematicamente as suas quotas». Portanto, a decisão de aumentar a produção «pode, neste contexto, funcionar como um instrumento de gestão interna, permitindo integrar parte dessa produção adicional no quadro oficial e, ao mesmo tempo, evitar fricções». «Se constitui a melhor escolha? A resposta é ambígua. Por um lado, permite reforçar receitas para economias altamente dependentes do petróleo e reposicionar o grupo num contexto de concorrência crescente. Por outro, o aumento da oferta num momento de abrandamento da procura global, como indicam as revisões em baixa das previsões da AIE (IEA na sigla em Inglês) e da própria OPEP, pode ser contraproducente», alerta o especialista, acrescentando ainda que «a possibilidade de excesso de oferta, agravada pela fraca disciplina entre membros, coloca riscos reais de nova pressão descendente sobre os preços».
Por sua vez, Nuno Mello refere que a OPEP «poderá estar a antecipar um aumento da procura global de petróleo nos próximos meses, impulsionado por uma eventual recuperação económica em grandes potências como os Estados Unidos e a China. Este cenário justificaria a necessidade de colocar mais barris no mercado para evitar uma escalada excessiva dos preços», lembrando que a organização tem vindo a enfrentar pressão por parte de países consumidores — como os Estados Unidos, a União Europeia e a Índia — «para reduzir os preços do petróleo, que têm alimentado a inflação global e dificultado a retoma económica». A decisão de aumentar a produção «pode também ser uma forma de preservar a quota de mercado dos países membros face à crescente produção de petróleo por parte de países não pertencentes à OPEP, como os Estados Unidos, onde o petróleo de xisto tem tido um papel relevante», diz.
E há outra razão que pode estar relacionada com «a preocupação em evitar uma desaceleração económica global. Preços de energia excessivamente elevados aumentam os custos de produção e transporte, o que penaliza as empresas e os consumidores. Ao contribuir para a descida dos preços do petróleo, a OPEP poderá estar a tentar apoiar o crescimento económico mundial». Por fim, o analista da XTB diz ser «importante considerar que muitos países membros da organização dependem fortemente das receitas provenientes da exportação de petróleo. Um aumento da produção pode ser visto como uma forma de compensar eventuais quebras de preço com maior volume de vendas».
E para os consumidores?
Tentámos ainda perceber qual será o verdadeiro impacto para o consumidor final. João Queiroz diz que os preços do barril mantêm-se firmes e que esta resiliência «deve-se a uma conjugação de fatores que vão desde o reforço sazonal da procura até às persistentes incertezas geopolíticas, passando por perceções de escassez relativa nos níveis de inventários globais». Para o consumidor final, adianta, o impacto desta conjuntura «será necessariamente assimétrico e dependerá da evolução de múltiplos vetores nos próximos trimestres».
No curto prazo, diz João Queiroz, «dificilmente se verificará um alívio expressivo nos preços dos combustíveis. A nova oferta, ainda que relevante, poderá ser parcialmente anulada por comportamentos assimétricos entre os membros da OPEP+, sobretudo se persistirem violações às quotas por parte de países como o Iraque ou o Cazaquistão. Ao mesmo tempo, o contexto internacional mantém-se volátil: as tarifas comerciais impostas pelos EUA, a ameaça de sanções secundárias sobre compradores de petróleo russo e os riscos latentes no Estreito de Ormuz continuam a gerar algum nervosismo nos mercados, contribuindo para manter os preços em níveis elevados».
Mas, no médio prazo, «o consumidor poderá, eventualmente, beneficiar de uma correção nos preços, especialmente se a expansão da produção, tanto dentro como fora da OPEP+, superar a trajetória da procura».
Nuno Mello detalha que, em primeiro lugar, «os mercados de petróleo são influenciados não apenas pela oferta atual, mas também pelas expectativas futuras». Mesmo com o aumento anunciado, «os investidores e operadores antecipam possíveis riscos que podem limitar a eficácia dessa medida — como conflitos geopolíticos (no Médio Oriente, por exemplo), instabilidade em países produtores ou dificuldades logísticas. Se houver incerteza quanto ao fornecimento futuro, os preços tendem a manter-se elevados por precaução».
Em segundo lugar, diz o analista, «a procura continua sólida, sobretudo em economias emergentes e em países que estão a retomar níveis de atividade económica mais elevados após períodos de desaceleração». O aumento da procura «compensa, em parte, o efeito do aumento da oferta, mantendo os preços altos».
Outro fator a ter em conta é o comportamento dos próprios países da OPEP. «Muitas vezes, os anúncios de aumento de produção não se traduzem imediatamente em volumes reais no mercado, quer por limitações técnicas, quer por decisões estratégicas internas». Além disso, finaliza, «os custos de refinação, distribuição e impostos nos países consumidores — como Portugal — também pesam fortemente no preço final dos combustíveis».
Jornal Sol