O elevador da “glória” falhou, a Vida nunca!

Sou uma mulher privilegiada! Trabalho na Misericórdia, mesmo ao lado da Companhia de Jesus e, da minha janela, até ao memorável dia de ontem, conseguia ver o Elevador da Glória bem de perto. Nele entravam e saíam, constantemente, turistas, trabalhadores, pessoas.
A tragédia levou quatro colegas meus. Mas Nesta Santa Casa somos cerca de 6.000. Comigo 6001. E agora? Como viver isto, este absurdo, nonsense, agarro-me a quê?
Certo que não interessa ficar a fixar o passado. Passou. Vou é aproveitar o presente. Mas como é que isso se faz?
Flannery O´Connor diz que nesta vida ”não há gozo a valer” e tem razão. Ou seja, quero Gozar sim, mas gozar bem.
Em momento tão grave, o Pastor da Igreja de Lisboa chamou-nos à Igreja de S.Domingos e as palavras que me disse consolam-me. Não são palavras fofinhas ou poéticas, palavras que trocamos entre nós cheias de boa intenção . “vai correr tudo bem”, “continuação”, “um dia de cada vez”, e na criatividade que nos caracteriza, os mil emojis que gaurdamos e enviamos…
As palavras de D. Rui Valério consolam-me porque me dão razões. As pessoas dizem-me: “Vais à Igreja porque isso te ajuda”, “Tu tens fé, isso é uma grande ajuda, se eu tivesse! Mas não tenho”. Pois então, se não fosse para ajudar para que serviria a fé?
Procurei ao longo da minha vida uma resposta para as perguntas que tenho cravadas em mim. O que é vida? Porquê? Para quê? Até me pus a estudar filosofia, porque queria trabalhar na área das razões, e acabei por dissertar na Articulação entre fé e razão em Mauruce Blondel e me apaixonei por Edmund Husserl, que me rasgou horizontes impensáveis.
Mas os elevadores que usamos falham. Os académicos, os sociais, os casamentos, a carreira, as amizades, a moda, o estar updated, a loucura dos canais televisivos que nos enchouriçam, as invenções ideológicas, … – uns atrás dos outros, falham. Não há wokismo que nos valha, ele afinal uma nova religião, a somar às tantas que já existem – e podemos dizer que cada pessoa pode criar uma, e é isso que acontece, “eu sou católico não praticante, que pratico assim e assado”, como me dá jeito.
As palavras do meu Pastor dão as razões milenares do Deus que se fez Homem para nos Salvar, vencendo a morte. A minha e a dos meus, a dos 16 de ontem. No seu discurso não poupa as citações bíblicas, mas também não se esquece da Sofia, como ele gosta de evocar a nossa poetisa com letra grande, de palavras poéticas mesmo.
O bom pastor conhece bem as suas ovelhas. Gosto de ser comparada a um ovelha. Mas não como Nietzsche o fez, no sentido de rebanhada. Mas sim no sentido da criança ao colo da mãe. Uma bela analogia com a minha vida.
Que palavras consolam o meu coração? Só eu sei. E sei quando me mentem, porque o meu coração foi feito para a verdade, é verdadeiro. Aos que lhe diziam que a verdade não existe, Santo Agostinho dizia que nunca tinha encontrado um homem que quisesse ser enganado. Et voilá!
Na Igreja de uma Lisboa enlutada, que já ardeu mostrando nas suas paredes as marcas do fogo que um dia a quis consumir, estavamos lá todos, do Presidente da República, ao duque de Bragança, ao edil ainda mais encurvado por ser véspera de autárquicas . Todos, todos,todos : a responder ao convite do Senhor do tempo e da história. Ele não só convocou como foi rápido a fazê-lo. E nós fomos, e não em manada, espero…
Eu Sou o Caminho, a Verdade e a Vida, Ele não falha. Nós é que andamos distraídos, o tal alzeihmer existencial, bem pior que o outro ( com o qual, curiosamente, tanto nos afligimos..)…
Acontece que tenho a sorte de ter S.Roque a dar-me Pão todos os dias, ao virar da esquina. Sempre foi assim na minha vida, a Vida aconteceu-me e Acontece. Para agradecer e repartir, como fui ontem lembrada.
De forma violenta sim. É por isso que gosto da literatura da Flannery, grotesca, violenta porque verdadeira. Também ela conheceu a morte de forma precoce, aos 39 anos, com lupus!
observador