Defesa. Cabe quase tudo nos dados enviados à NATO

Os economistas contactados pelo Observador pedem mais informações sobre o que é enviado para a NATO para responder se o atual orçamento acomoda mais despesa.
“O Orçamento do Estado para 2025 prevê um saldo orçamental positivo de 0,3% do PIB, o que representa uma margem muito curta para acomodar um acréscimo desta dimensão na Defesa, sem receita adicional, cortes noutras rubricas ou alterações metodológicas. Ou seja, seria necessário recorrer a uma contabilização diferente, à semelhança do que já fazem muitos países europeus membros da NATO, sobretudo através da inclusão de infraestruturas críticas que, embora com utilização civil, podem ter uso militar pontual ou recorrente no futuro”, indica em declarações ao Observador Paulo Monteiro Rosa, economista sénior do Banco Carregosa, acrescentando que “nesse sentido, esse reforço poderá ser parcialmente acomodado através da reprogramação da despesa dentro da margem disponível, da reclassificação de despesas com uso dual (como infraestruturas e proteção civil com função militar) e de uma execução faseada e ajustada aos meios existentes — tudo isto sem comprometer o equilíbrio orçamental, se gerido com rigor”.
Paulo Monteiro Rosa realça que, de acordo com um relatório da NATO, Portugal terá gastado cerca de 1,58% do seu PIB em defesa em 2024, só que no Orçamento do Estado para 2025, a despesa consolidada atualmente prevista com Defesa é de 3.065 milhões de euros. Ou seja, com um crescimento estimado do PIB nominal de 4,8%, este deverá ascender a 294.271 milhões de euros, o que significa que a despesa em defesa corresponde apenas a 1% do PIB — ainda bastante distante da meta dos 2%. Ora, “a disparidade entre os 1,58% do PIB estimados pela NATO e os cerca de 1% indicados no Orçamento do Estado para 2025 resulta de diferenças nos critérios de contabilização”.
“Enquanto Portugal, no seu orçamento, apenas inclui as despesas diretamente afetas ao programa orçamental da Defesa, a NATO segue critérios mais abrangentes, que englobam também investimentos com utilidade militar fora do programa de Defesa, missões internacionais e infraestruturas com uso dual (civil e militar). Por essa razão, o esforço real de Portugal em matéria de defesa é superior ao que aparece refletido no orçamento nacional, o que levou já várias vozes a defenderem uma revisão dos critérios nacionais para alinhar com os dos restantes países da Aliança Atlântica”.
O Conselho das Finanças Públicas (CFP) deixou uma nota menos otimista em relação ao impacto nas contas públicas deste reforço na defesa e ainda não havia a indicação de Montenegro de que pretendia que chegar aos 2% já em 2025. “As exigências da NATO para que os países membros aloquem, pelo menos, 2% do PIB à despesa pública com defesa coloca desafios significativos a Portugal, que se apresenta à data como um dos países europeus com menor despesa nesta área (cerca de 1,5% do PIB)”.
No documento sobre perspetivas económicas e orçamentais 2025-2029 do CFP, ainda se apontava para a meta de 2% em 2029. “Assumiu-se neste exercício uma convergência linear em 4 anos, considerando um acréscimo anual de 0,125 pontos percentuais do PIB até se atingir os 2% de despesa com defesa em 2029. Em termos de efeito direto nas finanças públicas este acréscimo reflete-se inteiramente em despesa primária agravando o saldo orçamental e a dívida pública. Assim, com base nestas hipóteses chegar-se-ia em 2029 a um défice orçamental 0,6 pontos do PIB mais elevado do que projetado em políticas invariantes e o rácio da dívida pública agravar-se-ia em 1,3 pontos do PIB”. E chegar-se-ia a 2026 com défice.

Contactado pelo Observador, o CFP não antecipou o impacto desta decisão de antecipação para 2025 dos 2%.
Portugal pediu acionamento da cláusula de salvaguardaA Comissão Europeia avançou com a flexibilização das regras orçamentais europeias para as despesas de defesa. O mesmo é dizer que um acréscimo destas despesas não será contabilizado para efeitos do chamado procedimento por défices excessivos. Ou seja, não contará para essa aferição o impacto que tenha no saldo orçamental, nomeadamente se o país tiver défice acima de 3%, ou para o limite ao aumento da despesa primária líquida definidos no Plano Orçamental-Estrutural Nacional de Médio Prazo (POENMP), para 2025-2028.
De acordo com as regras acordadas entre Bruxelas e Portugal, entre 2025-2028 o crescimento das despesas líquidas tem de ser contido a 3,6%, na média dos quatro anos, havendo uma conta de controlo com Bruxelas que permite um desvio de 0,3 pontos do PIB a esses valores ou de 0,6 pontos no conjunto dos anos. O Conselho das Finanças Públicas e o Banco de Portugal já alertaram que face ao crescimento das despesas previstas para 2025 poderá ser difícil a Portugal cumprir esse valor.
Os países tinham de pedir o acionamento da cláusula de derrogação nacional e Portugal fê-lo. O Governo anterior de Luís Montenegro anunciou essa comunicação a Bruxelas, tendo garantido que o tinha feito em consenso com o PS. Isto aconteceu antes das eleições de 18 de maio.
Precisamente para que não haja desvios para a despesa de defesa de outros gastos é que o comissário europeu dos Assuntos Económicos, Valdis Dombrovskis, alertou: “Precisamos de garantir que não temos defense washing [lavagem para parecer ‘defesa’], em que subitamente tudo são despesas de defesa“. O ponto de ordem surgiu depois de Espanha ter proposto um alargamento do conceito de defesa para gastos com proteção civil climática e custos com cibersegurança. Mas esse alargamento estará mesmo a ser pensado, no âmbito da NATO.
Além de Portugal pediram a excecionalidade a Bélgica, Bulgária, Chéquia, Dinamarca, Estónia, Grécia, Croácia, Letónia, Lituânia, Hungria, Polónia, Eslovénia, Eslováquia, Finlândia e Alemanha (também o fará mas ainda não entrou o plano de médio prazo, por causa das eleições antecipadas que teve). Segundo a primeira análise de Bruxelas, conclui-se que o reforço das despesas de defesa vai obrigar a um esforço de ajustamento maior no período seguinte para o novo plano de médio prazo, a partir de 2029, por forma a manter a sustentabilidade orçamental.
Num documento da Direção Geral de Economia e Finanças da Comissão Europeia é referido, tal como antecipado pelo Jornal de Negócios, que o aumento das despesas da defesa (em 1,5% do PIB) levará a um aumento dos défices de 1,3 pontos percentuais em 2028 e um agravamento da dívida em percentagem do PIB em 2,6 pontos, o que implicará no próximo período de planos de médio prazo um esforço adicional de 0,4 pontos em média. Portugal não é dos mais penalizados. Em 2028 poderá ter um agravamento de 1,2 pontos no saldo orçamental e de 2,1 pontos na dívida.
Assim, a Comissão Europa estima que Portugal tenha de fazer um esforço adicional de ajustamento orçamental no saldo primário de 0,2 pontos num período de quatro anos ou de 0,1 num plano a sete anos, que é permitido por Bruxelas sujeito a condições.
Mas se a Comissão Europeia alerta para o defense washing, já a NATO permite que se incluam muitas despesas nos dados reportados. E, conforme explica o CFP, diferente das contas nacionais. “A definição NATO corresponde a um conceito de caixa e não de contas nacionais, sendo mais lato do que a função defesa da classificação funcional da despesa. Uma diferença muito considerável entre óticas ocorre relativamente ao momento de registo das despesas, em particular da aquisição de material militar: numa ótica de caixa são registados os vários adiantamentos (ou pagamentos pós-entrega) no momento em que estes são efetivamente pagos, já em contas nacionais o registo é feito pela totalidade do valor do equipamento no momento da sua entrega”.
Nos documentos da NATO consultados pelo Observador explica-se que as despesas de defesa são definidas pela organização como os “pagamentos efetuados por um governo nacional (excluindo autoridades regionais, locais e municipais), especificamente para atender às necessidades das suas forças armadas, dos Aliados ou da Aliança”.
Uma componente importante são os pagamentos para as Forças Armadas — em Portugal há três ramos: exército, força aérea e marinha — financiados pelo orçamento do Ministério da Defesa. Segundo a NATO, as Forças Armadas incluem “forças terrestres, marítimas e aéreas, bem como formações conjuntas, como administração e comando, forças de operações especiais, serviço médico, comando logístico, comando espacial, comando cibernético”. Mas também podem incluir partes de outras forças, como as tropas do Ministério da Administração Interna, forças policiais nacionais, guardas costeiras, entre outros.
No entanto, salienta a NATO, “nesses casos, as despesas são incluídas apenas na proporção das forças que são treinadas em táticas militares, equipadas como uma força militar, podem operar sob comando militar direto e podem, realisticamente, ser mobilizadas para fora do território nacional em apoio a uma força militar”. Ou seja, a definição é lata, e pode estar noutros ministérios. E isso é mesmo referido: “As despesas de defesa também incluem gastos com forças que são de responsabilidade de ministérios que não o Ministério da Defesa”.
As despesas com a componente militar de atividades mistas civis-militares podem, também, ser incluídas, mas apenas “quando a componente militar puder ser especificamente contabilizada ou estimada”. Dá-se como exemplo os aeródromos, serviços meteorológicos, auxílios à navegação, serviços de aquisição conjunta, investigação e desenvolvimento. No caso das despesas com investigação & desenvolvimento, realça-se que podem estar incluídos gastos com projetos mesmo que não resultem na construção de equipamentos.
Nas despesas, a NATO permite a inclusão das pensões de reforma pagas diretamente pelo governo a funcionários militares e civis de departamentos militares e subsídios a pessoal no ativo. Segundo a Direção Geral da Administração e do Emprego Público, no final do primeiro trimestre existiam 29.537 funcionários na Defesa. Nas Forças Armadas contavam-se 27.607 pessoas, com mais de 6,8 mil oficiais, 7,9 mil sargentos e 8 mil praças. Nas forças de segurança estavam 44.980 funcionários. Já as pensões registadas na Caixa Geral de Aposentações apontam para que, em 2023 (últimos dados), haja 7.763 pessoas do Exército reformado; oito mil na Marinha; e mais de 4 mil na Força Aérea. Acrescem 19,6 mil da GNR (que é uma força militar).
Ainda se incluem nestes valores os gastos com a constituição de stocks de guerra, como equipamentos militares ou outros fornecimentos de bens e serviços para uso das Forças Armadas.
Mas não é só. Todas as despesas para operações, missões, compromissos ou outras atividades que estejam no orçamento da defesa são contabilizadas, como também os gastos para operações humanitárias e de manutenção de paz, “pagas pelo Ministério da Defesa ou outros ministérios”. Ou ainda a destruição de armas, equipamentos e munições e os custos associados com inspeções e controlo nessa destruição.
A NATO indica, por outro lado, que a assistência militar e financeira de um país aliado da NATO a outro, nomeadamente para apoiar o esforço de defesa do beneficiário, deve ser incluída nas despesas de defesa do país doador e não nas do beneficiário. E neste apoio podem ser incluídas contribuições para fundos fiduciários elegíveis, administrados pela NATO, que estejam relacionados com projetos de defesa; mas também equipamentos e armas militares doados a um país parceiro, bem como assistência em treino militar. Mas neste caso “recursos de outros departamentos governamentais que não o Ministério da Defesa, por meio de outras organizações internacionais ou na forma de ajuda militar direta, não são elegíveis”. Por outro lado, são incluídas as despesas com infraestruturas comuns da NATO, na medida da contribuição líquida do país.
Ou seja, a abrangência de despesas consideradas para efeitos de objetivo NATO é grande e os países podem ter isso em conta. O Governo português não revela o que inclui. Mas se para alcançar os 2% pode ser fácil, considerando as declarações do Presidente, com estas inclusões, já aumentar para 5% como já se fala pode ser mais difícil. E o impacto em Portugal, pela proposta de Mark Rutte, secretário geral da NATO — que a vai discutir na cimeira no final do mês –, poderá ser mais significativo. Ainda assim, estes 5% comportam 3,5% para a defesa militar tradicional e 1,5% para despesas “relacionadas” com defesa, o que abre também aqui um largo espaço. Não há ainda calendário para este novo reforço.
observador