Maciel e Calatré: inevitavelmente atores

Paulo Calatré e Manuel Pureza já tinham tentado trabalhar juntos em vários projetos, mas as agendas nunca tinham coincidido antes de Pôr do Sol (série de ficção da RTP1). Voltaram a alinhar-se agora para O Zé Faz 25. “Com ele, trabalho de olhos fechados, nem preciso de saber muito bem o que é”, garante Paulo Calatré sobre o sim imediato ao podcast — todas as terças-feiras há um novo episódio desta investigação sobre o desaparecimento de José Valbom, um jovem de 25 anos visto pela última vez na própria festa de aniversário.
De olhos fechados foi literalmente como aconteceram as gravações do projeto. “Estávamos quase sempre parados, em frente a um microfone e, portanto, o Manuel [realizador] não tinha muito para ver, era mais para escutar. Tanto ele como a Rita Tristão [direção de atores] estavam sempre de costas para nós, parecia que estavam zangados.”
Na história interpreta João Durães, um inspetor da Polícia Judiciária. Para o papel não houve uma preparação como costuma fazer para outras personagens. “Foi um trabalho quase de improvisação e que foi surgindo das conversas que tínhamos entre nós”, explica ao Observador.
“Rimo-nos muito. Principalmente nas primeiras sessões, em que estávamos a apalpar um bocadinho o terreno. Como já fiz dobragens, como outros de nós, havia a preocupação de ter uma dicção um bocadinho mais cuidada e isso às vezes tornava o texto menos interessante. Riamo-nos por causa disso, às vezes parecia uma coisa demasiado falsa para aquilo que estávamos a tentar fazer.”
O trabalho era encarado como se as filmagens de um filme ou de uma série se tratassem, mas os atores encontravam-se por vezes em situações caricatas.
“Íamos para fora do estúdio gravar dentro de um carro. Estar dentro de um carro é muito diferente de fazer uma cena dentro do carro a ouvir rádio, a mexer no rádio, a tentar encontrar a estação. Se estivéssemos em estúdio, não teria nada a ver. Gravávamos, subíamos para estúdio para continuar e às vezes tínhamos de voltar ao carro porque nos faltava qualquer coisa. Isso tinha graça.”
[o trailer de “O Zé Faz 25”:]
O entusiasmo de experimentar algo novo foi sentido por todos e isso criou uma união no grupo. Ao ouvir o resultado final, Paulo Calatré explica que teve noção de muitos aspetos novos. Carla Maciel, que na história interpreta Sofia, a mulher controladora do inspetor, revela que teve algumas dúvidas quanto ao novo formato do projeto — inicialmente pensado para ser uma série transmitida na televisão.
“Às vezes sou um bocadinho reticente, mas fiquei bastante surpreendida. Na altura, damos sempre um bocadinho de emoção, mas também não podemos dar demasiado para não ficar exagerado. No meu caso, quando o Manuel [Pureza] me estava a pedir algumas alterações, achei que não resultaria”, recorda a atriz ao Observador.
No entanto, conhecendo bem o trabalho do realizador, deixou-se levar. “A mim soou-me um bocadinho falso, mas ele disse: ‘Não te preocupes, com a montagem vai ficar bem. O importante é sentir-se isto aqui dela’. E, de facto, o resultado foi surpreendente.”
O mesmo achou Paulo Calatré: “De repente é um mundo inteiro totalmente novo porque a sonoplastia criou cenários, criou tensões, há sons de tensão em relação aos interrogatórios, há sons que nos levam para os flashbacks, etc. Não tínhamos nada disso presente, para nós era tudo muito mais cru. Tínhamos pequenos sons de folhas, de respirações e pouco mais.”
Não há muito tempo, Paulo e Carla contracenaram em Légua (2024), onde interpretaram igualmente um casal. Ambos do Porto, nunca se tinham cruzado antes do filme.
Paulo Calatré nasceu no Porto a 20 de janeiro de 1976 e cresceu ao ar livre, juntamente com o irmão, quatro anos mais velho. “Os meus pais tinham um talho e começavam a trabalhar muito cedo. Sobretudo nas férias, acordava com eles e, enquanto eles ficavam a trabalhar, eu ia ter com os meus amigos cujos pais também tinham negócios.”
A fase em que viveu perto do Estádio das Antas é aquela de que tem mais memórias. “Sou tripeirinho de gema. Fazíamos carrinhos de rolamentos, jogávamos às escondidas. Pegavamos na bola e ficávamos na rua o dia inteiro. Jogávamos, fazíamos cabanas, íamos à fruta e ficávamos na rua horas infinitas.”
Desde miúda que Carla Maciel é fascinada por pessoas, histórias e vidas distintas. “Sempre tive um poder de observação enorme. Entrava numa festa e já sabia quem tinha problemas de fala, tiques, etc. Depois chegava a casa e imitava toda a gente. Ainda hoje, quando estou num sítio, estou a observar. O Gonçalo [Waddington, o marido e também ator] diz-me: ‘Carla, disfarça, por favor’.”
No metro, nos cafés, quando vê luzes acesas nos prédios, imagina a vida das pessoas que tem à frente. “Sempre tive essa fascinação, é aí que começo a imaginar histórias.”
A ela — que nasceu no Porto a 3 de setembro de 1974 —, garante, a escola deu-lhe todas as bases para ser a atriz que é hoje. “Estamos a falar da escola pública de Águas Santas, em Rio Tinto, mas que já nos anos 80 estava muito à frente do que era habitual. A escola tinha tudo e eu experimentei: dança, canto, teatro e jornalismo.”
Este ano, o antigo diretor da escola aproveitou o pretexto de estar a reformar-se e convidou Carla e o grupo de quem continua amiga mais de 30 anos depois a visitar o espaço. “Ainda é uma escola de referência, para a qual os professores pedem para ir. Portanto, fomos mesmo uns privilegiados.”
Paulo Calatré despertou para a representação muito mais tarde. “Sou muito tímido e fui descobrindo esta coisa das artes na minha adolescência. Tinha uma banda, isso ajudou.”
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