PSOE. Ex-ministro fala em "dinâmica de corrupção"

São cada vez mais intrincados os contornos do caso que está a pôr em xeque o governo espanhol. O antigo ministro dos Transportes do PSOE e ex-secretário para a Organização do PSOE, José Luis Ábalos, falou esta quinta-feira — quatro dias antes de ser chamado a testemunhar no Supremo Tribunal do país vizinho — para culpar os outros envolvidos numa trama de alegada corrupção, acusando o seu ex-assessor, Koldo García, e outro dos ex-secretários para a Organização do PSOE, Santos Cerdán, de terem uma “dinâmica prévia” de corrupção e de terem “penetrado no ministério”.
Segundo a Cadena SER, que falou com o antigo governante, Ábalos culpa agora os outros dois suspeitos por o terem “utilizado”, enganado e pressionado para que exercesse a sua influência em adjudicações de contratos públicos. Ábalos resume assim o seu papel no caso: “Sou um idiota, o imbecil no meio disto tudo”.
Ábalos vira-se assim contra as outras duas figuras do PSOE — sendo que já foi expulso do partido — mas também contra o primeiro-ministro, Pedro Sánchez, que diz ter mostrado uma “diferença de tratamento” e ter defendido sempre Santos Cerdán (que se demitiu na quinta-feira, dia 12 de junho), ao contrário do que aconteceu com o próprio Ábalos. Também à Cadena SER, Ábalos disse não se “reconhecer” em gravações que vieram a público e que o envolvem nas negociações de comissões ilegais que estariam a ser pedidas por adjudicações de contratos públicos.
O jornal El Español acrescenta que num disco rígido que estava escondido em sua casa mas que foi descoberto pela Unidad Central Operativa, ou UCO (uma unidade especializada da Guardia Civil espanhola), depois de ter tentado que a atriz pornográfica Letizia Hilton a retirasse da casa, também guardará conversas com Sánchez, membros do Governo e diretores de meios de comunicação.
O El País explica esta sexta-feira que a investigação aberta pelo Supremo Tribunal está dependente de quatro relatórios da Guardia Civil, pedidos pelo juiz Leopoldo Puente, que podem ser “chave” para o futuro da investigação e até desta legislatura, uma vez que a oposição tem pedido novas eleições na sequência desta polémica.
A investigação visa os registos patrimoniais de Ábalos e de Cerdán, além da análise das adjudicações de obras em causa e das comunicações entre os suspeitos e dirigentes do PSOE. Tendo em conta os resultados das onze buscas feitas na semana passada, incluindo em casa de Ábalos, os agentes policiais têm agora milhares de novos documentos em papel e 59 dispositivos eletrónicos para analisar, segundo o El País.
Só as buscas na casa de Ábalos resultaram na recolha de discos rígidos, três telemóveis, um cartão SIM, dois cartões de memória e 22 pen-drives. O juiz diz esperar encontrar elementos sobre “a adjudicação de determinadas obras a favor de determinadas empresas, a troco de um preço ou compensação económica”. Além das buscas na casa do antigo ministro, a UCO fez buscas na casa de cinco empresários e na sede de três empresas suspeitas de estarem envolvidas no alegado esquema.
Os políticos implicados são suspeitos de cobrar comissões elevadas em troca de adjudicações para obras públicas, como a construção de estradas ou de vias férreas. O esquema, conhecido após uma denúncia do Partido Popular (PP), pode ter ajudado os suspeitos a angariar mais de 600 mil euros, como explicava aqui o Observador. Um dos protagonistas é o empresário Victor de Aldama — a investigação procurava entender se as empresas ligadas a Aldama tinham informações privilegiadas sobre as necessidades do governo, permitindo garantir mais de 50 milhões de euros em contratos.
E o caso tem outras implicações, como suspeitas de fraude eleitoral dentro do próprio PSOE. Se Koldo García e Aldama chegaram a ser detidos em 2024, o caso não demorou a assumir proporções maiores e a atingir figuras mais altas dentro do partido e a mostrar as fraturas (e purgas) dentro do PSOE.
Já Sánchez tem recusado voltar às urnas, apesar dos protestos da oposição e das manifestações organizadas pelo PP: “Não haverá eleições até [à prevista] em 2027”, disse na semana passada, acrescentando que conta candidatar-se nessa data.
Apesar disso, o primeiro-ministro espanhol pediu “perdão” pelo caso, admitiu que existem “indícios muito graves” de corrupção e disse-se especialmente surpreendido com o papel de Santos Cerdán: “Quero pedir desculpa porque até esta manhã estava convencido da integridade de Santos Cerdán”, disse numa conferência de imprensa, na manhã em que o antigo número três do PSOE se demitiu a pedido do primeiro-ministro.
As conversas gravadas e agora apanhadas pelas autoridades mostram ainda, segundo a imprensa espanhola, combinações entre Ábalos e Koldos García sobre encontros com mulheres, durante as quais decidem entre si quem vai estar com que mulher. Na sequência destas revelações, o El Confidencial noticiou um comunicado da Organização das Trabalhadoras Sexuais de Espanha em que argumentam que o PSOE — que tem trabalhado para ilegalizar a prostituição em Espanha — “não tem credibilidade nem autoridade para legislar sobre o trabalho sexual. (…) Dormem connosco, mas votam contra nós”.
As trabalhadoras sexuais dizem-se “consternadas, mas não surpreendidas com a maneira desumanizadora” como os responsáveis do PSOE falam nas gravações que vão sendo noticiadas sobre colegas suas, sendo “elementos de um autoproclamado partido feminista”. Nesta comunidade, não faltam vozes que garantem que elementos do partido procuravam os seus serviços enquanto promoviam leis anti-prostituição.
observador