Quando os estrangeiros também se fartam

Foi na rede social X que Matthew Prince teceu duras críticas ao funcionamento de Portugal identificando, designadamente, os processos de regularização dos imigrantes, a burocracia e o estado do aeroporto de Lisboa. Portugal ‘não é um país sério, promete muito e dá muito pouco, está cada vez pior’. Estas foram algumas das declarações do CEO da Cloudfare.
O resumo do que disse pode ser lido aqui, ameaçando mesmo que vai deixar de investir. As suas declarações foram acompanhadas obviamente de críticas, mas também de outros seguidores a partilharem experiências semelhantes, incluindo um site, o portugalstory.co onde podemos encontrar várias histórias de estrangeiros a viver em Portugal. Quem sabe não seria uma boa ideia todos fazerem o mesmo.
Não sendo a primeira vez que se queixa do mau funcionamento do país, a irritação do CEO da Cloudfare vai tendo a capacidade de dar de Portugal a imagem de um país muito pouco amigo do investimento. Mesmo a sua expectativa – implícita no inquérito que fez sobre se alguém do Governo o tinha contactado – é suscetível de ser criticada. Todos nos lembramos do que geraram os contactos das lideranças da Start Campus com membros do Governo. Aliás, se não tivesse sido o dinheiro vivo encontrado na sala ao lado da do primeiro-ministro, pertencente ao seu chefe de gabinete, o que se sabe até agora desse processo parece marcado por uma total falta de bom senso. O que não impediu de prejudicar a vida de várias pessoas, sem que até agora o processo se tenha desenvolvido.
O caso da Start Campus pode ter reforçado o medo instalado no país de tomar decisões ouvindo as partes com interesses em presença. Num país em que a legislação é pouco clara, os processos são burocráticos e a exigirem uma miríade de autorizações de entidades que não falam umas com as outras – num labirinto em que uma autorização pode deixar de ter validade antes de se ter obtido todas –, o medo de ouvir os investidores, ou decidir, atrasa ainda mais o caminho de um investimento.
A única explicação para ainda existirem empresários e investimento nacional e estrangeiro em Portugal só pode ser porque os outros países não são melhores. Antes de Trump ainda havia a América, agora nem isso. A teia burocrática dos países europeus não é melhor, especialmente por causa da legislação europeia. O próprio compromisso de simplificação da Comissão Europeia parece embrulhado em burocracia – até são burocratas a simplificar.
Como estamos a caminho de um novo Governo com o mesmo partido e primeiro-ministro, esta podia ser a oportunidade para fazer da simplificação administrativa e fiscal e para a aceleração da justiça, as grandes prioridades da governação. E o relatório Draghi, embora realizado a pensar na União Europeia, pode ser uma boa inspiração, designadamente no capítulo relativo à governação.
O que recomenda Draghi que se podia transpor para Portugal? Primeiro, simplificar a legislação que na UE devia ser liderada por um vice-presidente para a Simplificação – que não aconteceu — e incluir um “banco de avaliação” das regulamentações europeias. Transpondo para Portugal, seria boa ideia criar um ministro junto do primeiro-ministro com esta tarefa, a que se juntava a obrigação de avaliar os custos de aplicação de toda a nova regulamentação que fosse produzida. E quando se fala em custos não são apenas contabilísticos, são económicos e sociais, em que se devem também integrar o tempo para cumprir as regras. Esses custos todos deviam ser comparados com as vantagens ou o problema que as regras pretendem resolver. A par disso, devia ser aplicado um processo de avaliação da administração pública que incluísse a rapidez com que responde aos cidadãos.
A desburocratização e o aumento da eficácia e rapidez da Justiça são bem capazes de constituir uma fortíssima alavanca para o aumento da produtividade e atracção de investimento directo estrangeiro, aproveitando bem a deslocalização de negócios a que estamos a assistir.
O CEO da Cloudfare apenas disse aquilo que muitos portugueses conhecem, mas que se habituaram ou a aceitar ou a contornar conhecendo as pessoas certas. Se queremos ser um país a sério, com mais crescimento e produtividade, esse não pode ser o caminho.
observador