Alguma vez alguém vai compreender Andy Kaufman?

Quando eu era miúdo, uma das formas que os adultos tinham de nos entreter, nesses dias pré-internet, pré-telemóvel, pré-pc, quando tudo as nossas brincadeiras consistiam em trepar árvores para roubar frutos, jogar à bola ou perseguir sardaniscas, uma das formas (dizia) que os adultos tinham de nos entreter era contar piadas ou adivinhas – quase sempre piadas um pouco picantes para a nossa idade.
Um dos ditos deve ter-me sido repetido centenas de vezes e consistia simplesmente da pergunta “Quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha?”, que nos deixa como que paralisados, porque sabíamos que cada adivinha que os adultos nos propunham consistia de uma trapaça e o fim da trapaça era sublinhar a nossa ignorância.
Confesso aqui a minha preguiça: nunca me dei ao trabalho de saber quem nasceu primeiro. Mas desses dias ficou-me o apreço por aquelas personagens que têm sempre uma piada a escapar-se pelo canto da boca, pelos contadores de histórias, pelos tipos (nessa altura eram sobretudo homens) que tinham o dom de, ao falar, porem um café inteiro parado a ouvi-los quando sacavam de uma história engraçada ou de uma piada.
[o trailer do documentário sobre Andy Kaufman, disponível na Filmin:]
Na América, onde tudo se monetiza, uma variação desta figura assumiu os contornos de stand-up comedian: alguém que sobe a um palco e conta piadas, não obrigatoriamente anedotas populares, mas material que criou. E pelo menos uma coisa eu sei que surgiu antes na minha vida: antes de eu saber quem foi Andy Kaufman, através de Man on the Moon (o excelente biopic de 1999, realizado por Milos Forman), eu já sabia que Andy Kaufman existia, quando li (numa qualquer publicação estrangeira) que Man on the Moon, essa espantosa canção dos R.E.M., tinha como assunto o dito Kaufman. No meu caso, portanto, primeiro veio a canção, depois o filme e finalmente o comediante. Mas, e atalhando caminho, continuei sem saber quem era Andy Kaufman até ver o recém-estreado A Comédia e o Caos: o legado de Andy Kaufman, disponível desde há uns dias na plataforma Filmin – um documentário que procura responder à pergunta que o mundo da comédia faz há anos: “Quem foi Andy Kaufman?”, ou, mais especificamente, “Porque é que Andy Kaufman era assim?”. Nunca há respostas completas, mas o doc pelo menos chega às raízes.
Se vos ocorrer como é que podem ter decorrido tantos anos sem eu realmente saber quem era Andy Kaufman desde a primeira vez que li que era sobre ele que Man on the Moon versava, a minha única defesa é que era extremamente difícil conseguir material de Kaufman; à medida que a minha obsessão com comediantes aumentou, consegui botar as mãos em livros e cassetes com stand-ups de Woody Allen, ou antigas VHS com specials de George Carlin, mas de Kaufman nada.
Sabia algumas coisas, pelo menos de ver e ler sobre Man on the Moon (o filme): que Kaufman, mais do que fazer stand-up, como que sabotava os seus stand-ups, criando nas pessoas uma espécie de desconforto existencial – as pessoas iam a clubes para ver alguém introduzir a piada, preparar a piada, entregar a punchline e depois passar para a próxima piada, e aqui estava um tipo que chorava durante o ato, pedia desculpa por ser uma merda, ou então era atacado por um membro do público.
observador