Da corrupção à fraude, estas são as penas de prisão dos crimes a que Sócrates está sujeito na Operação Marquês

Mais de 10 anos depois, começa finalmente o julgamento do ex-primeiro-ministro José Sócrates no âmbito da Operação Marquês. As dúvidas relativas à realização desta primeira sessão ficam dissipadas depois de, esta quarta-feira, a juíza deste julgamento ter recusado aceitar a sugestão da magistrada do Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC) para juntar a este megaprocesso o caso ‘mais pequeno’ que junta apenas Sócrates e Carlos Santos Silva no banco dos arguidos por branqueamento de capitais. A primeira sessão está marcada para as 9h30.
O “pontapé de saída” daquele que se viria a tornar o mais mediático porcesso da Justiça portuguesa – desde logo por ter um ex-primeiro ministro como principal suspeito – deu-se em julho de 2013, quando o empresário Carlos Santos Silva despertou a atenção das autoridades judiciárias através de uma investigação que tinha começado em 2011. Mas foi em novembro de 2014 que o país e o mundo ficaram a conhecer a “Operação Marquês”, depois de Sócrates ter sido detido no aeroporto de Lisboa, filmado em direto por algumas televisões. O ex-primeiro-ministro está acusado de 22 crimes — três de corrupção, 13 de branqueamento de capitais e seis de fraude fiscal.
Sócrates foi acusado pelo Ministério Público (MP), em 2017, de 31 crimes, designadamente corrupção passiva, branqueamento de capitais, falsificação de documentos e fraude fiscal, mas na decisão instrutória, a 9 de abril de 2021, o juiz Ivo Rosa decidiu ilibar o antigo governante de 25 dos 31 crimes, pronunciando-o para julgamento apenas por três crimes de branqueamento de capitais e três de falsificação de documentos.
Contudo, em janeiro de 2024 uma decisão da Relação recuperou quase na totalidade a acusação do MP, determinando a ida a julgamento de 22 arguidos por 118 crimes económico-financeiros, revogando a decisão instrutória do juiz Ivo Rosa, que remeteu para julgamento apenas José Sócrates, Carlos Santos Silva, o ex-ministro Armando Vara, o ex-líder do BES Ricardo Salgado e o antigo motorista de Sócrates, João Perna. Esta decisão recuperou ainda para a acusação arguidos parcial ou totalmente ilibados por Ivo Rosa, como Salgado, que voltou a estar acusado de corrupção e os antigos administradores da Portugal Telecom, Zeinal Bava e Henrique Granadeiro. Salgado não estará presente na primeira sessão de julgamento, depois da juíza Susana Séneca ter aceite o pedido da defesa do ex-banqueiro para ser dispensado devido ao diagnóstico da doença de Alzhiemer.
Um dos crimes de que Sócrates está acusado é o de branqueamento de capitais. Este crime é um processo que tem por objetivo a ocultação de bens, capitais ou produtos com a finalidade de lhes dar uma aparência final de legitimidade, procurando, assim, dissimular a origem criminosa de capitais, bens ou produtos. O agente que incorra neste crime é punido com pena de prisão de dois a doze anos, segundo o artigo 368.º-A/ do Código Penal (CP).
Ainda assim, a lei refere que quando houver reparação integral do dano causado ao ofendido, sem dano ilegítimo a um terceiro, a pena é especialmente atenuada.
Outro dos crimes “em cima da mesa” é o de fraude fiscal, que segundo o artigo 103.º do Regime Geral das Infrações Tributárias, é punível com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias.
Constitui fraude fiscal as “condutas ilegítimas” que visem a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a “obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais suscetíveis de causarem diminuição das receitas tributárias”.
A fraude fiscal pode ter lugar por “ocultação ou alteração de factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade” ou das “declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria coletável”; por “ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à administração tributária”, e ainda pela celebração de “negócio simulado“.
Por fim, José Sócrates está ainda acusado de três crimes de corrupção, sendo que tanto passiva quanto ativa, pode levar a penas de prisão e multas, dependendo da gravidade do caso e da atuação do indivíduo.
No caso do crime de corrupção ativa (artigo 374.º do CP), o agente é punido com pena de prisão de um a cinco anos. “Quem, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, der ou prometer a funcionário, ou a terceiro por indicação ou com conhecimento daquele, vantagem patrimonial ou não patrimonial com o fim indicado no n.º 1 do artigo 373.º, é punido com pena de prisão de um a cinco anos”, lê-se.
Mas se o ato ou omissão não forem contrários aos deveres do cargo e a vantagem não lhe for devida, o agente é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa até 360 dias.
Já na corrupção passiva, o agente é punido com pena de prisão de um a oito anos, mas a pena pode chegar aos 10 anos se for agravada. Segundo o artigo 373.º do Código Penal (CP), destina-se ao “funcionário que por si, ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa, para a prática de um qualquer ato ou omissão contrários aos deveres do cargo, ainda que anteriores àquela solicitação ou aceitação”.
Mas se o ato ou omissão não forem contrários aos deveres do cargo e a vantagem não lhe for devida, o agente é punido com pena de prisão de um a cinco anos.
Neste processo, o Ministério Público (MP) reclama aos arguidos um total de 58 milhões de euros, tendo arrestado vários bens. Segundo as contas da acusação, José Sócrates teria dado cerca de 21 milhões de euros de prejuízo ao Estado, Zeinal Bava cerca de 16 milhões, Henrique Granadeiro cerca de 14 milhões, Carlos Santos Silva três milhões e 300 mil euros, Ricardo Salgado três milhões de euros e Armando Vara 1,4 milhões de euros.
Em julgamento vão também estar Carlos Santos Silva, empresário e amigo do ex-primeiro-ministro, acusado de 23 crimes; Joaquim Barroca, ex-administrador da construtora do Grupo Lena, acusado de 15 crimes; José Pinto de Sousa, empresário e primo de José Sócrates, acusado de dois crimes; Hélder Bataglia, empresário, acusado de cinco crimes; Sofia Fava, ex-mulher de Sócrates, acusada de um crime.
A juíza Susana Seca recusou o pedido do MP para autonomizar num processo separado os factos relacionados com o empreendimento de luxo Vale do Lobo, no Algarve, em relação aos quais estão acusados o ex-ministro de Sócrates e antigo administrador da Caixa Geral de Depósitos, Armando Vara; José Diogo Gaspar Ferreira, ex-diretor executivo do empreendimento; e Rui Horta e Costa, ex-administrador dos CTT e de Vale do Lobo. Cada um deles vai responder em tribunal por dois crimes, um de corrupção e um de branqueamento de capitais.
Salgado e Vara já foram condenados, mas vão voltar a tribunalDo processo “Operação Marquês” já dois arguidos foram a julgamento e acabaram condenados: Armando Vara e Ricardo Salgado, em dois e oito anos de prisão, respetivamente. Ainda assim, com a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, de janeiro de 2024, que recuperou quase na totalidade a acusação do Ministério Público (MP), os dois arguidos vão voltar a sentar-se nos bancos do tribunal.
O primeiro a saber o desfecho no processo foi o ex-administrador da Caixa Geral de Depósitos (CGD), Armando Vara. A 13 de julho de 2021, o antigo ministro foi condenado a dois anos de prisão efetiva pelo crime de branqueamento de capitais. O juiz Rui Coelho afirmou que o tribunal “deu como provado quase todos os factos” da acusação do MP e que ficou “demonstrado objetivamente o circuito de dinheiro” relacionado com os dois milhões de euros que Vara colocou em contas na Suíça e que depois trouxe para Portugal.

No âmbito da “Operação Marquês”, Armando Vara cumpriu a obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica, de 9 de julho a 16 de outubro de 2015, totalizando três meses e sete dias o período em que esteve com medida de coação privativa da liberdade.
Agora, o ex-ministro de Sócrates e antigo administrador da CGD vai responder em tribunal por dois crimes, um de corrupção e um de branqueamento de capitais.
Oito meses depois, a 7 de março de 2022, Ricardo Salgado foi condenado a uma pena total de prisão de seis anos pelos três crimes de abuso de confiança de que estava acusado.
Mas, em maio de 2023, a pena viria a ser agravada para oito anos pelo Tribunal da Relação de Lisboa. O tribunal considerou como provados “quase todos os factos constantes da acusação”, segundo explicou o juiz Francisco Henriques. Mas “não ficou provado a questão da gestão centralizada do BES”. Quanto à doença de Alzheimer, o magistrado diz que ficou provada essa condição física de Ricardo Salgado, bem como as condições socioeconómicas do arguido.
O tribunal decidiu condenar Ricardo Salgado pela prática de um crime de abuso de confiança relativamente à transferência de 4.000.000 de euros, com origem em conta da “Espírito Santo Enterprises, S.A.” para conta da “Credit Suisse”, titulada pela sociedade em offshore “Savoices, Corp”; um crime de abuso de confiança relativamente à transferência de 2.750.000 euros, quantia proveniente de transferências da conta da “Espírito Santo Enterprises, S.A.” para uma conta titulada pela sociedade “Green Emerald Investments, Ltd.”, controlada por Hélder José Bataglia dos Santos, da conta da “Green Emerald Investments, Ltd.” para conta da “Crédit Suisse“, titulada pela sociedade em offshore “Savoices, Corp“, controlada pelo arguido.
O terceiro crime de abuso de confiança pelo qual Salgado foi condenado é relativo à transferência CHF 3.900.000,00 (3.967.611 euros) — quantia proveniente de transferências da conta da “Espírito Santo Enterprises, S.A.” para a conta da “Pictet & Cie, S.A.” titulada por Henrique Manuel Fusco Granadeiro —, da conta da “Pictet & Cie, S.A.” e com destino a conta da “Lombard Odier Daries Hentsch and Cie” titulada pela sociedade em offshore “Begolino, S.A.”, controlada pelo arguido.
Após ser condenado, Salgado vai responder agora por 11 crimes, dos quais três crimes de corrupção e oito de branqueamento. O antigo banqueiro está também a ser julgado no processo da queda do BES/GES, do qual foi dispensado pelo tribunal de comparecer às sessões, devido ao diagnóstico de Alzheimer.
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