O que tira o sono aos banqueiros centrais? A “verdade” e saberem se estão a cumprir a missão (e o café em Sintra)

“Não dormi bem ontem à noite e há uma razão para isso. O governador Rhee estava sentado ao meu lado durante o jantar e disse-me que o expresso contém menos café do que um café longo. Então, bebi imediatamente um expresso”. O que tirou o sono ao governador do Banco Central do Japão, Kazuo Ueda, na noite do jantar de boas-vindas do Fórum do Banco Central Europeu (BCE) não é o mesmo que tem deixado os restantes banqueiros centrais com um sono menos tranquilo, mas divertiu a plateia do painel mais esperado do evento que reuniu entre segunda e quarta-feira, em Sintra, governadores, economistas e especialistas.
O Fórum BCE 2025, que marcou a 12.ª edição, foi parco em pistas sobre os passos dos decisores no futuro próximo no que toca aos juros, mas teve como tema central “Adaptar-se à mudança: transformações macroeconómicas e respostas políticas”. Uma adaptação face a um contexto internacional sobre o qual se assume elevada incerteza, com impacto para a inflação, e que desassossega qualquer descanso de um governador.
Questionada sobre o que lhe tira o sono à noite, a presidente do BCE, Christine Lagarde, foi perentória a afirmar: “A verdade”. “Estou cada vez mais preocupada com o papel que a inteligência artificial irá desempenhar em relação à forma como as coisas podem ser distorcidas, como a opinião pública pode ser manipulada”, começou por argumentar Lagarde, para depois detalhar: “continuamos a dizer que somos dependentes de dados, e somos, e queremos ver a nossa projeção, avaliação e análise ancoradas em dados empíricos e na compreensão do que está a acontecer na realidade da economia”.

“Tenho medo de que as coisas possam ser distorcidas e que possamos ser vítimas disso, porque é incrivelmente fácil”, justificou. As declarações de Lagarde têm mais eco por terem sido proferidas depois de, na segunda-feira, ter anunciado a atualização da avaliação estratégica do banco central.
Na essência, Frankfurt confirmou o objetivo simétrico de 2% para a inflação a médio prazo e destacou que a “simetria exige uma resposta adequadamente vigorosa ou persistente da política monetária a grandes desvios sustentados da inflação em relação ao objetivo, em ambos os sentidos”.
A revisão estabelece ainda que “o conjunto de instrumentos disponíveis permanece inalterado e a escolha, a conceção e a implementação dos mesmos possibilitarão uma resposta ágil a novos choques”. No entanto, na conferência de imprensa de apresentação do documento, a presidente do BCE assinalou que a análise de cenários terá um papel fundamental e, é por isso, que na estratégia o BCE se compromete a garantir que as decisões têm em conta não apenas a trajetória mais provável da inflação e da economia, mas também os riscos e a incerteza circundantes – incluindo através do uso de análises de cenários e sensibilidade.
Isto, porque, conforme Lagarde voltou a defender durante o painel de governadores, as decisões do BCE continuarão a ser tomadas reunião a reunião com base em dados. No entanto, alertou que o mundo enfrenta “o risco de instabilidade”, de “fragmentação”, a que se junta a “preocupação geopolítica”. “Temos de continuar a ser extremamente vigilantes sobre a inflação”, disse, acrescentando que a instituição está “em boa posição” para “navegar em águas turbulentas”. Palavra que se juntam às proferidas no dia anterior sobre a inflação no futuro se tornar mais volátil devido aos choques geopolíticos.

Isto apesar de ter ‘cantado’ vitória sobre o objetivo do banco central. “Não digo que a missão está completa, mas a meta foi atingida“, afirmou no dia em que o Eurostat divulgou que a inflação homóloga da Zona Euro acelerou apenas ligeiramente para 2% em junho, contra 1,9% em maio e 2,5% no mês homólogo de 2024.
Do outro lado do Atlântico, não é apenas o impacto da política internacional que tira o sono a Jerome Powell à noite, mas sobretudo a política interna ou não estivesse Donald Trump em guerra com o presidente da Reserva Federal norte-americana. Apesar de evitar fazer comentários sobre o presidente norte-americano, Powell recebeu o apoio dos homólogos e aplausos dos presentes.
“Faltam pouco mais de 10 meses para o fim do meu mandato como presidente, e tudo o que todos na Fed querem é construir uma economia com estabilidade de preços, emprego e estabilidade financeira. O que me tira o sono é como é que faremos isso. Quero entregar ao meu sucessor e a todos os meus colegas uma economia com saúde. O que me tira o sono é: estamos no caminho certo para isso?”, respondeu à questão colocada pela moderadora, a jornalista da Bloomberg Francine Lacqua, aos cinco governadores, Além de Lagarde e Powell, estiveram em palco Andrew Bailey (Bank of England), Kazuo Ueda (Bank of Japan) e Chang Yong Rhee (Bank of Korea).
Entre os motivos da incerteza internacional que colocam desafios aos banqueiros centrais está precisamente o impacto das tarifas que estão a desencadear alterações das dinâmicas comerciais. “Se ignorarmos as tarifas, a inflação está a comportar-se tal como esperávamos“, afirmou Powell, que contudo admitiu que os efeitos ainda deverão fazer sentir-se este ano.

Naquele que poderá ter sido o último Fórum BCE em que Mário Centeno participou como governador do Banco de Portugal, caso o Governo opte por não o reconduzir à frente da instituição, um painel de debate tornou-se o palco de uma coincidência que não passou despercebida aos presentes portugueses. Um antigo, o atual governador e um dos nomes de que se fala para ocupar o lugar após 20 de julho unirem-se num comentário a um dos painéis em discussão para defender que não é a proteção laboral que leve a uma estagnação do crescimento da Zona Euro.
Após a apresentação de um dos papers mais polémicos do Fórum, no qual o economista Benjamin Schoefer, da Universidade da Califórnia em Berkeley, defendeu que as rígidas instituições do mercado de trabalho europeu são o calcanhar de Aquiles da competitividade face aos EUA, colocando Portugal entre os exemplos mais flagrantes dos problemas identificados, Mário Centeno, que se especializou no mercado de trabalho enquanto académico, foi o primeiro a insurgir-se.

“Olhando para o mercado laboral europeu nos últimos 10 anos, houve uma mudança incrível“, afirmou. Para Centeno, o mercado laboral europeu “provou ser resiliente nas crises, contrário ao dos EUA”, destacando também alguns dados para o mercado português, onde nos últimos cinco anos, “por cada trabalho criado, foram feitos 10 novos contratos no mercado laboral”, tendo por isso uma “mobilidade enorme”.
Para Vítor Constâncio, o estudo não apresenta dados suficientes que permitam tirar as elações assumidas pelo autor, atribuindo o menor crescimento da Zona Euro face aos EUA ao capital de risco. “Existe nos EUA e é isso que falha na Europa”, disse. Por seu lado, Ricardo Reis, um dos nomes mais falados como eventual sucessor de Mário Centeno, apontou o dedo às falta financiamento como o inimigo do crescimento.
“Quando as empresas europeias crescem mudam-se para os EUA para encontrar financiamento”, disse, acrescentando que fazer crescer uma empresa na Europa é mais desafiante precisamente por falta de disponibilidade de financiamento.

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