Trump, os insultos a Powell e a obsessão com o dinheiro barato

Os recorrentes insultos de Trump a Powell são dos sinais mais preocupantes sobre como o presidente dos EUA vê a divisão de poderes, ou melhor, o problema que esta representa para os seus planos.
“Pessoa mentalmente mediana”. “Baixo QI para o que faz”. “Uma pessoa muito estúpida“. “Péssimo”. “Incompetente”. “Idiota“. “Tipo burro e óbvio inimigo”. “Das pessoas mais burras do governo”. “Patético”. “Sem noção”. “Tolo”. E, claro, o recorrente “Tarde Demais Jerome Powell”.
De todas as coisas atrozes que Donald Trump faz – deportar, prender, despedir, mentir, pressionar, retirar financiamento, negar a diversidade, bombardear… a lista é longa – os insultos ao presidente da Reserva Federal (Fed) podem até parecer triviais ou apenas um sideshow de um líder errático e dramático, mas não o são. Antes pelo contrário, são dos sinais mais preocupantes sobre como o presidente dos Estados Unidos vê a divisão dos poderes institucionais, ou melhor, o problema que esta representa para os seus planos.
O que Trump quer que Powell faça é cortar as taxas de juro, imediatamente e de forma significativa, porque acha que isso pode prevenir uma recessão e retirar o país de uma desvantagem competitiva face à Zona Euro, onde o Banco Central Europeu há um ano começou um ciclo de oito cortes nos juros.
É uma obsessão do republicano – que nega a existência de inflação nos EUA – e que não é de agora, já vem do primeiro mandato. Depois de nomear Powell em 2018, Trump começou a criticá-lo por não cortar o custo do dólar. No regresso à Casa Branca este ano já insinuou a possibilidade de despedir o presidente do banco central, mas recuou perante a reação dos mercados (já lá voltaremos) e as dificuldades jurídicas em concretizar essa vontade.
Estamos a falar, claro, da questão crucial da independência dos bancos centrais. Nos EUA, a Fed ganhou autonomia em 1951, aproveitando o drama da inflação – que já vinha da Segunda Guerra Mundial e que a Guerra da Coreia escalou para 21% – para fugir às garras do Departamento do Tesouro e conseguir acordo para poder estabelecer taxas de juro e conduzir a política monetária de forma independente, sem ter de pedir autorização à administração na Casa Branca.
Este acordo, que é realmente uma norma e não uma lei, foi respeitado ao longo das décadas seguintes, com uma exceção grave.
No episódio publicado a 11 de janeiro deste ano, o (sempre excelente) podcast Planet Money da National Public Radio explora como os recém-desclassificados Nixon Tapes revelaram como Richard Nixon conseguiu ‘persuadir’ o até aí cauteloso presidente da Fed, Arthur Burns, a subir as taxas de juro. ‘Tricky Dicky‘, como Nixon era conhecido, precisava de acelerar o emprego e a economia para conquistar o segundo mandato em 1972 e Burns, por análise errada ou por medo, aceitou os pedidos do presidente.
Nixon ganhou as eleições, mas a política expansionista que impôs à Fed resultou num disparo da inflação para 12,4% em 1974, também impulsionada pela crise petrolífera. Em 1979, já nomeado por Jimmy Carter, Paul Volcker subiu as taxas de juro até acima de 20% para conter a inflação, mas acabou por provocar uma recessão entre 1980 e 1982.
Mas a interferência de Nixon foi uma exceção, até às investidas de Trump. Felizmente Jay Powell parece ter mais capacidade de resistência que Arthur Burns. Até agora tem-se mantido firme, explicando que a incerteza causada pelas tarifas alfandegárias de Trump nas projeções para a inflação obriga a Fed a manter uma posição de cautela.
Porque é que a independência da Fed é tão importante? Primeiro, porque os agentes económicos acreditam que a condução da política monetária para cumprir os dois mandatos de estabilidade nos preços e pleno emprego fica melhor servida com a separação de poderes e sem a influência de interesses governamentais, ou seja, partidários.
Segundo, porque a independência dá credibilidade e previsibilidade aos que investem nos ativos dos EUA. Prova disso, cada vez que Trump ameaça Powell e a Fed, o dólar, os preços dos Treasuries (as obrigações soberanas americanas, ou os índices em Wall Street tremem. Por mais imediatistas que os investidores nos mercados sejam, não querem ver todo o poder concentrado nas mãos de um tipo tão imprevisível e tendencioso como Trump.
No Fórum BCE em Sintra esta terça-feira, Powell foi questionado se os constantes ataques do presidente dificultam a sua missão e respondeu que está simplesmente focado em fazer o seu trabalho e usar os instrumentos que o Congresso deu à Fed para atingir as metas da estabilidade financeira e de preços e o pleno emprego. A reação dos banqueiros centrais do Zona Euro, Reino Unido, Coreia do Sul e Japão? Aplausos.
Trump já disse que não pretende despedir Powell, cujo mandato como chair termina em maio de 2026. Mas ao dizer que já tem três ou quatro candidatos em mente na escolha para o substituir aumenta a pressão sobre o presidente da Reserva Federal. Não só o atual, mas também o que vier a seguir. A independência do banco central tem, infelizmente, os dias contados.
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