Embaixador brasileiro: burocracia é obstáculo à integração

O embaixador do Brasil em Lisboa considera que a “demora na regularização migratória” é o maior obstáculo à integração dos brasileiros e alertou que as alterações legais previstas acentuam as diferenças entre os dois países.
“Muitos brasileiros enfrentam demoras e outras dificuldades práticas para obter suas autorizações de residência e o direito ao reagrupamento familiar, por exemplo, mesmo que tenham apresentado seus pedidos em conformidade e estejam em dia com suas obrigações” e, “enquanto não se regularizam, essas pessoas enfrentam obstáculos à sua efetiva integração em Portugal”, afirmou, em entrevista por escrito à Lusa, o embaixador Raimundo Carreiro Silva.
Na entrevista, o diplomata comparou as leis dos dois países no que respeita à imigração e admitiu que o discurso xenófobo também tem eco em Portugal.
“A embaixada e os consulados-gerais do Brasil têm recebido informações sobre casos de xenofobia e outros tipos de discriminação contra brasileiros” e a orientação dada é para que “essas ocorrências sejam prontamente comunicadas às autoridades portuguesas competentes, para que tomem as providências legais cabíveis”.
Além disso, “temos reiterado nossa disposição para intensificar ações conjuntas com Portugal, para a promoção da igualdade racial e da luta contra o racismo, a xenofobia e a discriminação em todas as suas formas”, explicou.
“Infelizmente, o crescimento do discurso anti-imigrante é uma tendência verificada na Europa e em outras partes do mundo”, mas a “comunidade brasileira em Portugal está, no geral, bem integrada”, uma situação para a qual contribui a “proximidade linguística e cultural” e os “intensos vínculos sociais e familiares existentes” entre os dois países.
Portugal “tem uma diáspora expressiva, inclusive no Brasil”, disse o diplomata, mostrando-se convicto de que “uma parcela importante da sociedade portuguesa tenha consciência de como é importante assegurar os direitos dos seus compatriotas que moram no exterior e promover sua efetiva integração”, acrescentou.
Sobre o impacto da política mais restritiva em Portugal e o impacto nas relações de reciprocidade entre os dois Estados, Raimundo Carreiro Silva salientou que tem existido um “diálogo construtivo com o governo português”, que incluiu, “mais recentemente”, uma “videoconferência entre autoridades responsáveis por temas consulares nos dois países” e está prevista uma reunião, em Lisboa, da Subcomissão Bilateral de Assuntos Consulares e Circulação de Pessoas, ainda durante este mês.
“Da minha parte, estou fazendo contactos pessoais com autoridades portuguesas aqui em Lisboa para buscar sensibilizá-las sob o ponto de vista brasileiro, em especial, sobre a necessidade de se observar a reciprocidade de tratamento, com fundamento na Constituição brasileira de 1988 e no Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta”.
Sobre a discussão no Parlamento português das leis de estrangeiros e da nacionalidade, com medidas ainda mais restritivas, o embaixador salientou que se trata de “um assunto interno e de soberania do governo português”.
No entanto, defendeu que alguns “aspetos dos diplomas em discussão aumentam as assimetrias entre as legislações do Brasil e de Portugal, especialmente em matéria de autorização de residência, reagrupamento familiar e aquisição da nacionalidade”.
“No caso da obtenção de residência, os portugueses podem entrar no Brasil inicialmente como visitantes, sem necessidade de visto para estadias curtas e, estando no Brasil, solicitar a autorização de residência junto à Polícia Federal em até 90 dias”, comparou o diplomata.
Já no que respeita ao reagrupamento familiar, no Brasil não há “tempo mínimo de residência” para pedir esse procedimento, enquanto as “propostas de mudanças na legislação portuguesa resultariam em esperas potencialmente superiores a três anos, o que poderia levar à separação de familiares por tempo prolongado”.
No que respeita à nacionalidade, o Brasil é também muito mais permissivo na “naturalização de portugueses, exigindo apenas um ano de residência legal e idoneidade moral para que possam obter a nacionalidade brasileira”.
Em Portugal, atualmente é exigida uma “residência legal mínima de cinco anos” e a proposta de alterações prevê um aumento para sete, no caso de cidadãos lusófonos.
Este mês, o consulado de Lisboa emitiu um documento à comunidade imigrante brasileira, a maior do país, com uma série de recomendações na sequência da entrada em funcionamento da nova Unidade Nacional de Estrangeiros e Fronteiras (UNEF).
“Uma vez que ainda não há clareza quanto à possibilidade de abordagem de cidadãos em vias públicas para verificações migratórias, o Consulado-Geral julgou importante recordar que a legislação portuguesa determina que todos portem documento de identidade em locais públicos, bem como recomendar o porte de documentação que demonstre o vínculo migratório com Portugal”, explicou Carreiro Silva.
“A comunidade brasileira não só é a mais numerosa entre os estrangeiros residentes em Portugal, como é também muito diversa, estando presente em todas as regiões e segmentos sociais”, referiu o diplomata, destacando, em particular, a contribuição para “a produção de conhecimento científico e académico”.
“Recentemente, a Embaixada conduziu um mapeamento da diáspora científica brasileira neste país, o que nos permitiu conhecer melhor a realidade e as atividades dos pesquisadores e académicos brasileiros, principalmente das cientistas brasileiras mulheres, que constituem uma parcela significativa dessa diáspora”, recordou ainda.
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