A difícil encruzilhada que os serviços públicos enfrentam na Colômbia

As reportagens da mídia sobre a situação dos serviços públicos no país não são animadoras. Nos últimos meses, os colombianos começaram a se preocupar com o nível dos reservatórios e quase sofreram um apagão devido ao fenômeno El Niño de 2024. Ao mesmo tempo, enfrentamos uma crise no abastecimento de água em Bogotá, resultando em um racionamento sem precedentes na cidade em mais de 40 anos.
Em relação ao serviço de gás, um recurso essencial para o bem-estar das famílias e o desenvolvimento dos negócios, no início deste ano ficamos surpresos ao saber que , pela primeira vez nos últimos 50 anos, perderíamos a autossuficiência em termos de abastecimento. A perspectiva é clara: exigirá importações de gás no futuro, com um aumento nas contas pagas pelos colombianos.
As dificuldades enfrentadas pelas empresas de serviços públicos também se refletem na situação tensa em torno da prestação de serviços de eletricidade. Projetos de energia limpa não estão sendo concretizados devido a obstáculos decorrentes de consultas prévias. Os investidores estão inseguros quanto ao desenvolvimento de novos projetos de geração. Além disso, as distribuidoras de eletricidade enfrentam uma situação financeira crítica devido à redução dos recursos públicos do orçamento nacional que essas empresas recebem para pagar subsídios aos menos privilegiados.
Em termos de comunicações, as perspectivas também não são animadoras, considerando a difícil situação financeira enfrentada por operadoras públicas, como a ETB e a Emcali, e por algumas operadoras privadas, que estão colocando suas operações em risco. A concorrência entre os diversos players, elemento essencial para o desenvolvimento dos serviços e mídias digitais no país, fica, portanto, comprometida.

Assim era o reservatório de San Rafael há um ano. Foto: SERGIO ACERO YATE / EL TIEMPO
Em suma, de uma perspectiva geral, o setor de serviços de rede pública enfrenta talvez seu teste mais difícil desde 1992, quando o país sofreu um apagão. Somados à crise no setor de saúde, esses serão os problemas sociais mais complexos que o Governo Nacional terá que enfrentar nos próximos meses.
A origem As causas dos problemas enfrentados pelo setor de serviços públicos incluem falhas estruturais, temporárias e institucionais.
Nos últimos meses, a situação dos serviços públicos se deteriorou devido à convergência de diversas falhas estruturais que evidenciam as decisões equivocadas do Governo Nacional durante a gestão do Presidente Petro. Essas falhas que oneram os sistemas de serviços públicos se devem, em grande parte , ao ônus fiscal dos subsídios implementados para impedir aumentos de tarifas para usuários dos estratos sociais 1, 2 e 3.
De acordo com a Lei 142 de 1994, os subsídios para serviços de eletricidade deveriam ser cobertos por contribuições dos estratos 5, 6, comercial e empresarial. No entanto, decisões populistas tomadas em 2002 congelaram as tarifas de serviços públicos para os estratos menos privilegiados, transferindo a responsabilidade por esses subsídios para o orçamento nacional.
Desde então, em vez de simplificar, o ônus aumentou nos últimos anos, visto que reduzir os subsídios não é uma medida politicamente conveniente . No ano passado, com a crise fiscal do governo nacional, esses subsídios, que eram assumidos pelas empresas de energia elétrica, foram descontinuados, o que, mais cedo ou mais tarde, levará a uma crise financeira que comprometerá a prestação de serviços de energia em diversas regiões do país.
Desde 1994, os governos nacionais também não conseguiram projetar um sistema eficiente de prestação de serviços de eletricidade para a costa caribenha, onde tanto as operadoras privadas quanto as públicas não conseguiram fornecer o serviço de forma eficiente, como ocorre em outras áreas do país. O resultado são tarifas altas, baixa qualidade do serviço e a alocação de recursos públicos para garantir o serviço nessa região.
Soma-se a essa mistura uma situação particular: para apoiar os colombianos mais pobres afetados pela pandemia de COVID-19, o Governo Nacional estabeleceu uma opção tarifária em 2021 para mitigar o aumento nas contas de energia. Essa medida não foi totalmente financiada e gerou maior pressão financeira para as empresas de energia.
Em relação às falhas institucionais, cabe destacar que, apesar de contar com um arcabouço institucional robusto estabelecido na Lei 142 de 1994, que poderia ter servido ao governo nacional para enfrentar as dificuldades estruturais herdadas de outras administrações, o Presidente Petro optou por romper o arcabouço institucional, e os efeitos dessa ação começam a ser sentidos na deterioração da qualidade de vida dos colombianos.
Desde o início do atual governo , o mandato tem sido enfraquecer as comissões reguladoras , que são entidades técnicas responsáveis por estabelecer padrões para orientar investimentos, corrigir falhas de mercado, garantir o desenho de tarifas e proteger os usuários.
A repressão do governo nacional a essas entidades técnicas é evidente na falha em nomear comissários, como ocorreu com a Comissão de Regulação de Energia (CREG), que paralisou sua operação ; na falta de coordenação com a Comissão de Regulação de Comunicações (CRC), onde o representante do governo também não foi nomeado; e na falta de relevância dada à Comissão de Regulação de Água Potável e Saneamento Básico (CRA).
Quase um ano após o fim do mandato do governo, os efeitos da deterioração institucional dos serviços públicos são palpáveis: há grande incerteza quanto aos novos projetos de energia que garantirão a confiabilidade do sistema elétrico nos próximos anos. No setor hídrico, a ausência do órgão regulador do setor foi notória durante a crise hídrica de Bogotá, e não há uma visão regulatória que promova a conservação da água no país, apoiada por um projeto que incentive esse tipo de ação.
Também não há notícias da Agência de Regulamentação (ARC) sobre o andamento dos projetos relacionados ao fortalecimento da economia circular, tão necessária para enfrentar as mudanças climáticas. No campo das comunicações, o Regulador não tem assumido um papel ativo no desenvolvimento de regulamentações que promovam o desenvolvimento da conectividade no país e tem se mantido ausente diante da crise que assola o setor de telecomunicações nos últimos anos.
A desestruturação institucional não se refere apenas às dificuldades enfrentadas pelas comissões reguladoras; a baixa qualidade da formulação e coordenação das políticas públicas lideradas pelos ministérios setoriais e pela Secretaria Nacional de Planejamento (DNP) também é palpável . Sem políticas claras, que também sejam implementadas por equipes de profissionais técnicos e especializados, será difícil construir os programas e projetos de que o país necessita para desenvolver seus serviços públicos.
A outra grande deterioração institucional se reflete na deterioração da gestão das empresas de serviços públicos, o que se explica pela decisão do governo de abandonar as melhores práticas de seleção de gestores e conselhos de administração , diretriz adotada pelo país ao ingressar na OCDE. Em vez disso, essas empresas foram nomeadas para cargos de liderança por indivíduos inexperientes, sem qualificação técnica ou profissional. A maior evidência dessas práticas nocivas pode ser vista na gestão questionável da Ecopetrol, empresa fundamental para o fornecimento de hidrocarbonetos e para a transição energética do país.

Desde a sua nomeação como presidente da Ecopetrol, Ricardo Roa tem sido duramente criticado. Foto: Arquivo pessoal
O colapso institucional da regulamentação deixa um balanço desanimador, com consequências financeiras que comprometem a sustentabilidade da prestação de serviços públicos. A incerteza reina sobre novos projetos de expansão de infraestrutura, enquanto a pressão fiscal para cobrir subsídios cresce, e a ausência de um roteiro que permita aos colombianos ter certeza de que continuarão a receber serviços completos, oportunos e eficazes de eletricidade, gás, água, saneamento básico e comunicações é evidente.
Uma nova oportunidade A restauração dos serviços de rede pública exige duas decisões fundamentais, tanto por parte dos atores públicos quanto privados. A primeira é abandonar firmemente o caminho do populismo tarifário e do desrespeito ao valor técnico arduamente conquistado desde 1994 e, em vez disso, reconhecer que, para os serviços de eletricidade, gás, comunicações, saneamento básico e até mesmo água potável, o setor privado é um elemento essencial que deve ser incorporado à concepção de futuras políticas públicas.
A segunda decisão é reconhecer que o modelo de provisão, regulação, controle e supervisão concebido há trinta anos e seguido nos mandatos posteriores à Constituição de 1991 não era perfeito e requer ajustes significativos para melhorar o bem-estar dos colombianos. De fato, o roteiro para transformar a gestão dos serviços públicos de utilidade pública e comunicações no país passa pelo reconhecimento dos erros e pelo aprendizado com as experiências adquiridas desde 1994.
Nesse sentido, será necessário analisar a possibilidade de se ter reguladores setoriais eficientes, sem grandes encargos burocráticos e que promovam a adoção de regulamentações de forma eficaz e célere. Nesse contexto, é necessária uma reforma jurídica que promova a nomeação de comissários com base na comprovação de sólida formação técnica, sólida experiência setorial e, preferencialmente, por concurso público por mérito.
Na mesma linha, precisamos retomar urgentemente as recomendações da OCDE que visam proteger as empresas públicas da pressão política e restaurar as equipes técnicas, administrativas e jurídicas aos mais altos padrões profissionais, pessoais e éticos.
No âmbito das políticas públicas, é urgente resgatar a visão do Estado sobre os serviços públicos no país, racionalizar os subsídios e restaurar a confiança dos investidores por meio de sinalizações regulatórias adequadas, para que os atores públicos e privados possam estruturar e executar projetos que melhorem a confiabilidade, a sustentabilidade e a cobertura dos serviços públicos de utilidade pública e de comunicações.
Neste contexto, é imperativo introduzir uma agenda de transformação digital que incorpore tecnologias emergentes na prestação de serviços públicos , como a inteligência artificial, o uso intensivo de análise de dados, a Internet das Coisas e, sobretudo, a medição inteligente para que os utilizadores possam controlar o seu consumo.
A agenda pública também deve incorporar mecanismos tecnológicos, apoiados por sistemas de informação eficientes, para monitorar a concorrência e detectar falhas de mercado que se refletem nas contas finais pagas pelos usuários. Isso só será possível se a Superintendência de Serviços Públicos (SSP) for reformada e se for finalmente reconhecida a urgência de se ter uma entidade de supervisão e monitoramento competente, tecnicamente sólida e isenta da influência dos políticos atuais.
Ter uma nova agenda para os serviços públicos deve ser uma meta nacional para os próximos anos. A tarefa está apenas começando e deve ser um esforço compartilhado por todos os atores da sociedade colombiana.
(*) Economista, mestre em Economia e Regulação de Serviços Públicos pela Universidade de Barcelona, ex-membro da Comissão de Regulação das Comunicações (2019-2022). (**) Razón Pública é um think tank sem fins lucrativos que visa garantir que os melhores analistas tenham maior impacto na tomada de decisões na Colômbia.
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