Empresa recém-criada de MG liderou leilão de minerais críticos e arrematou área maior que DF

Belo Horizonte e Brasília
A 3D Minerals, sediada em um pequeno escritório em Belo Horizonte e criada 46 dias antes do leilão anual da ANM (Agência Nacional de Mineração), arrematou sozinha 116 áreas de minerais críticos em diversas regiões do país, somando 6.462 km² sob seu controle.
A área total conquistada pela empresa equivale a um território 12% maior que o Distrito Federal —ou mais de quatro vezes o tamanho da cidade de São Paulo. A empresa fez lances que somaram R$ 54,824 milhões, e Mato Grosso foi o alvo principal, com 61 áreas.
Em seguida, aparecem Bahia (22), Pará (18), Goiás (9), Paraíba (2), Roraima (3) e Rondônia (1). Os dados constam no leilão que a ANM fez em 5 de agosto de 2024, quando a agência colocou 5.000 áreas de diversos tipos de mineral em oferta. Entre elas, centenas de terras de minerais críticos.

De acordo com os registros, a 3D Minerals deu os lances mais altos e ganhou o direito de comandar a pesquisa de 101 áreas de cobre, 13 de níquel e duas de tântalo.
Esses são alguns dos principais minerais críticos, alvos de disputas internacionais que mobilizam Estados Unidos e China, pelo fato de serem essenciais em indústrias de computação, defesa, carros elétricos, celulares e tudo o que demande ligas metálicas e baterias.
A empresa terá o controle das áreas por quatro anos, prazo prorrogável por igual período. As regras permitem que ela venda seus direitos de pesquisa a terceiros. Criada em 20 de junho de 2024, a 3D Minerals tem capital social de R$ 5.000 e nunca havia atuado no setor de mineração.
Depois dela, a empresa que teve o melhor resultado com minerais críticos no leilão da ANM foi a 3A Mining, que levou 40 áreas. A 3A Minining é uma sociedade com capital social de R$ 95,9 milhões, com base administrativa em São Paulo e operações conhecidas em cidades como Corumbá (MS).
A terceira colocada foi a empresa Gestão de Ativos Brasil Administradora de Bens, que conquistou 17 áreas. A companhia tem sede em Santa Catarina e também acumula histórico de autorizações para pesquisa em terras raras.
Após tentativas de contato por telefone e email, sem sucesso, a Folha foi até o escritório onde funciona a 3D Minerals, em um prédio simples de um bairro próximo ao centro de Belo Horizonte. O local está em nome dos sócios Eduardo Wanderley e Daniel Wanderley, além de uma pessoa jurídica (Way Minerals Ltda) que pertence ao próprio Daniel e que também foi aberta em junho de 2024.
Não foi permitida a entrada da reportagem no local. Um funcionário que se identificou como "Mazinho" afirmou que naquele endereço funcionam ao menos quatro empresas da família Wanderley, numa espécie de "coworking".
Segundo ele, ninguém estava autorizado a falar sobre os negócios da família e pedidos de entrevista deveriam ser solicitados por email —o que foi feito pela Folha reiteradamente, mas não houve resposta. Ele chegou a afirmar que devido às demandas da reportagem, houve ordem dos donos da empresa para cortar o telefone fixo do escritório.
A família Wanderley é conhecida em Belo Horizonte pela atuação na área de construção civil, à frente de empresas como a Wanmix e a Conserva de Estradas, sem relação com setor mineral.
Em 2018, ambas empresas foram citadas em inquéritos da Polícia Federal que investigavam o então senador Aécio Neves (PSDB), por suspeitas de irregularidades na arrecadação para a campanha eleitoral de 2014.
As acusações envolviam apurações sobre repasses financeiros e suspeitas de doações dissimuladas a campanhas políticas. Conforme apontou a Procuradoria-Geral da República em 2018, a partir de extratos apreendidos na Wanmix, um consórcio formado pela construtora Cowan, também da família Wanderley, transferiu R$ 1,5 milhão à Conserva de Estradas, que no mesmo dia repassou exatamente o mesmo valor ao diretório nacional do PSDB.

Apesar do desgaste para Aécio Neves, a operação perdeu força ao longo dos anos no campo judicial. A Câmara barrou denúncias feitas em delação pela JBS e o TRF-3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Região) acabou absolvendo Aécio das acusações, decisão que foi confirmada em instâncias superiores.
A 3D Minerals também está à frente de uma operação polêmica ligada ao mesmo leilão de 2024 da ANM, caso que foi revelado pela Folha.
A empresa recebeu autorização da ANM para alterar um dos seus lances após a abertura dos envelopes. No caso específico, a empresa fez uma oferta de R$ 37.576.100 por uma área de cobre no Pará. Depois, alegou que tinha errado o valor, colocado um zero a mais na proposta e que, na verdade, seu lance seria de R$ 3.756.100,00. Tratava-se de um dos maiores negócios da empresa fechados no leilão.
Após a publicação da reportagem, o Ministério Público junto ao TCU pediu à corte que suspendesse o resultado do leilão. O TCU ouviu os argumentos da empresa e decidiu que seus sócios não conseguiram apresentar justificativas plausíveis. O leilão da área acabou suspenso.
Pelas regras em vigor, o leilão da ANM é realizado em duas etapas, sendo a primeira a de oferta pública das áreas e a segunda, de leilão competitivo. Se uma área recebe apenas um interessado, ele pode requerer a área livremente. Se há mais de uma empresa interessada, abre-se a etapa dos lances.
No leilão de 2024, 322 áreas de minerais críticos foram alvos de disputas. Com seus 116 requerimentos, portanto, a 3D Minerals venceu mais de um terço dessas ofertas.
O Ministério de Minas e Energia declarou que "a questão está sendo tratada pela ANM". A agência informou que "acompanha a execução das autorizações de pesquisa e pode adotar medidas previstas em lei caso haja descumprimento das obrigações assumidas".
Segundo a agência, as regras da oitava rodada "não exigiam experiência prévia no setor mineral ou capital social mínimo, desde que o interessado atenda aos requisitos legais e cadastrais e efetue o pagamento do lance vencedor no prazo estabelecido".
A ANM disse ainda que seu modelo é "pautado pelos princípios da impessoalidade, transparência e livre concorrência", mas admitiu que o processo está em reavaliação.
"O processo de disponibilidade de áreas está em constante revisão e atualização, para garantir mais segurança, transparência e competitividade. A ANM firmou acordo com a B3 para utilizar uma plataforma mais robusta, que permitirá realizar os leilões com maior eficiência e modernizar todo o processo".
Julio Nery, diretor de assuntos minerários do Ibram (Instituto Brasileiro de Mineração), que reúne mais de 200 associados, disse que há falhas no modelo atual da ANM.
"Há, sim, necessidade de melhorias no sistema de disponibilização de áreas, seja na implantação do convênio efetuado com a B3 para estes leilões, mas principalmente na regularidade das rodadas de disponibilidade", declarou.
Segundo o instituto, estimativas apontam que o número de áreas que poderiam ser disponibilizadas gira em torno de 70 mil. "Essas rodadas não têm apresentado esta regularidade, e poderia haver um calendário com maior previsibilidade."
uol