Motim bolsonarista inviabiliza Câmara por 30 h, e Motta só consegue abrir sessão após Lira intervir

O deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) só conseguiu voltar à mesa da presidência da Câmara na noite desta quarta-feira (6) após longa negociação com a oposição mediada por seu antecessor, Arthur Lira (PP-AL).
O motim bolsonarista em reação à prisão domiciliar do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) inviabilizou o funcionamento do plenário da Casa por 30 horas.
No movimento, parlamentares da oposição ocuparam as mesas dos plenários da Câmara e Senado na terça-feira (5), impedindo a realização de sessões. Em esquema de revezamento, eles passaram a madrugada no local, que foi isolado pela polícia legislativa, com permissão de entrada apenas de parlamentares.
Com o motim, os bolsonaristas buscaram pressionar a cúpula do Congresso a pautar a anistia ao ex-presidente e aos participantes do 8 de Janeiro, além do impeachment do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes, que decretou a prisão, e amarras à atuação da corte, principalmente em relação a investigação e processos contra parlamentares.

Motta e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), passaram o dia em reunião com o PL e com os demais partidos na tentativa de um acordo para desocupação dos plenários de votações, mas as negociações emperraram.
Apoiado por líderes de 17 partidos, incluindo os governistas, o presidente da Câmara anunciou que abriria a sessão no plenário da Casa às 20h30 desta quarta, o que só ocorreu após as 22h, depois da intervenção de Lira. O entendimento era o de que Motta deveria sentar em sua cadeira e que qualquer negociação com os bolsonaristas não poderia ocorrer sob a chantagem da ocupação do plenário.
Para retomar o controle, Motta chegou a ameaçar os bolsonaristas com a suspensão do mandato por seis meses —um comunicado da Câmara, divulgado pouco antes da sessão, estabelecia que os deputados que tentassem impedir as atividades estariam sujeitos a essa punição. Ao final, adotou um tom conciliador, no sentido de fortalecer o Parlamento e a capacidade de dialogar.
Quando conseguiu abrir a sessão, entre gritos de "anistia já" e "sem anistia", Motta discursou por cerca de dez minutos e, em seguida, encerrou a sessão. O presidente afirmou que a sua presença tinha o objetivo de garantir "a respeitabilidade desta mesa, que é inegociável".
"Nós tivemos um somatório de acontecimentos recentes que nos trouxeram a esse sentimento de ebulição. É comum? Não? Estamos vivendo tempos normais? Também não. Mas é justamente nessa hora que nós não podemos negociar a nossa democracia", disse.
Ele afirmou ainda que o "país tem que estar sempre em primeiro lugar" e que "projetos individuais" não podem estar à frente do povo. "O que aconteceu nessa Casa não foi bom, não foi condizente com nossa história. [...] O que aconteceu ontem e hoje não pode ser maior do que o plenário", completou.
Motta evitou tomar lados na disputa, mas foi mais aplaudido pelos governistas do que pela oposição. "Não estou aqui para agradar nenhum dos polos, para ser conivente com nenhuma das agendas", disse.
O líder do PL, Sóstenes Cavalcante (RJ), afirmou, após a sessão, que a oposição conseguiu um compromisso de que a anistia aos acusados de golpismo e o fim do foro privilegiado serão levados à votação, o que era a exigência para que a mesa fosse liberada. De acordo com deputados bolsonaristas, líderes de outros partidos, como PP e União Brasil, concordaram em pautar a matéria.
Deputados governistas, porém, afirmam que todo esse imbróglio evidenciou o isolamento do bolsonarismo na Casa, já que houve consenso entre líderes de ao menos 17 partidos de que o plenário deveria ser retomado e de que propostas não seriam discutidas sob chantagem.
Para sentar em sua cadeira, Motta saiu de seu gabinete, que fica ao lado do plenário, e demorou mais de seis minutos para atravessar o mar de deputados bolsonaristas ao redor da mesa.
Ele chegou a andar de volta ao gabinete após chegar perto da cadeira e ela não ser cedida pelo deputado Marcel van Hattem (Novo-RS). Após muita conversa e empurra-empurra, foi praticamente arrastado de volta para a cadeira pelo deputado Isnaldo Bulhões Jr. (AL), líder da bancada do MDB.
Durante a tarde, logo antes de se reunir com os líderes de partidos, Motta se reuniu com os líderes da oposição, deputado Zucco (PL-RS), e com o líder do PL, Sóstenes Cavalcante (RJ), na tentativa de que os bolsonaristas encerrassem o protesto, mas não houve acordo.
Segundo parlamentares do PL, Sóstenes e Zucco se retiraram após Motta dizer que não colocaria em votação o projeto da anistia aos condenados pelos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023.
Ao deixar a reunião de líderes com Motta, o líder do PT, Lindbergh Farias (RJ), elogiou a decisão do presidente de convocar a sessão desta noite. "Não dá para achar isso normal, quererem parar atividade parlamentar na força. Então houve uma reação muito altiva, estamos parabenizando o presidente da Câmara. E houve uma postura de unidade do colégio de líderes, de que era preciso restabelecer a normalidade. Essa chantagem vai ter uma resposta à altura", completou.
No Senado, Alcolumbre anunciou no início da noite que realizará sessão virtual nesta quinta-feira (7).
"Não aceitarei intimidações nem tentativas de constrangimento à Presidência do Senado. O Parlamento não será refém de ações que visem desestabilizar seu funcionamento. Seguiremos votando matérias de interesse da população, como o projeto que assegura a isenção do Imposto de Renda para milhões de brasileiros que recebem até dois salários mínimos. A democracia se faz com diálogo, mas também com responsabilidade e firmeza", afirmou Alcolumbre, em nota.
A reunião de Alcolumbre com líderes de partidos políticos terminou no início da noite e, depois, ele seguiu conversando com a oposição isoladamente.
De acordo com relatos, obteve o respaldo dos demais partidos para realizar sessões presenciais na Casa a partir da semana que vem e afirmou descartar a votação de impeachment de ministro do STF, uma das principais bandeiras do bolsonarismo.
"Semana que vem, o que eu ouvi do presidente é que ele não aceitará [obstrução], é como quem diz 'por bem ou por mal semana que vem o plenário tem que estar livre'", disse o senador Cid Gomes (PDT-CE).
De acordo com senador, assim como Motta sinalizou, a postura de Alcolumbre também é a de não ceder.
"O presidente disse que questão de impeachment [de ministro do STF] é atribuição, prerrogativa, dele. Da presidência do Senado. Para usar as palavras dele, 'não há hipótese de que eu coloque para votar essa matéria'", acrescentou Cid.
"E tanto faz um requerimento feito pela, com todo respeito, associação dos catadores de lixo de São Paulo como a assinatura de 80 senadores. O processo não diz respeito ao quórum do Senado. Esse movimento de buscar assinaturas ele deixou claro que não influenciará na decisão dele."
uol