Adeus, até ao teu regresso

A política não faz sentido sem partidos. Mas há partidos que deixam de fazer sentido para nós. E quando as razões para pertencermos a um partido parecem desaparecer, é nosso dever sair. Por isso, para me despedir do Partido Social Democrata, decidi escrever este texto depois de entregar o cartão de militante na Sede Nacional.
Ronald Reagan dizia que não tinha sido ele a deixar o Partido Democrata, mas sim que tinha sido o Partido Democrata que o tinha deixado a ele. Não me posso queixar de ter sido surpreendido por este desfecho, como Reagan, porque o partido não mudou muito desde que me juntei. Posso queixar-me mais de ter entrado num partido esperando que ele voltasse a ser o que já só sobra nos livros de História. Em parte, porque as motivações da minha filiação foram mais emotivas do que racionais. O meu avô foi eleito do PPD/PSD nas primeiras autárquicas realizadas em Cascais e é o partido em que a maioria da minha família sempre votou. Antes sequer de me posicionar politicamente, já era o meu partido. Logo com 14 anos enviei o primeiro pedido de adesão à JSD, que deve ter ficado guardado nalguma gaveta eletrónica. Era já um sinal de um partido que funciona como grupo restrito, em que as pessoas precisam de ser indicadas por alguém de confiança e não têm uma oportunidade se não se enquadrarem numa “lógica” ou num “projeto”. Nesta lógica, valemos por quem conhecemos e pela ordem de chegada, mais do que pela vontade de servir a nossa comunidade. Não sabia, mas já estava a contactar com os problemas que levam a esta saída.
Quando finalmente aderi ao partido, com 21 anos, já tinha menos ilusões. Tinha participado, com 19 anos, numa campanha autárquica de um grupo de cidadãos independentes apoiado por pequenos partidos em Cascais, contra um PSD hegemónico no poder. Senti a falta de cultura democrática que ainda caracteriza a nossa política local e nacional. No entanto, escolhi acreditar que estas táticas iam contra a identidade histórica do PSD, que tinham de ser combatidas dentro do partido com o qual simpatizava.
Aqueles vícios não tinham nada a ver com o PSD nacional com que me tinha politizado. Angariadores de votos profissionais não diziam nada a uma pessoa que tinha crescido a ver Passos Coelho a dizer “que se lixem as eleições”. Pessoas focadas em colonizar o aparelho do Estado com militantes não faziam sentido para quem se tinha habituado a ver um partido com figuras como Jorge Moreira da Silva, Carlos Moedas ou Miguel Poiares Maduro, que não precisavam da política para viver e que não participavam dela para fortalecer a máquina do partido. Em Cascais, a minha terra e de alguns dos militantes que mais me inspiraram a pegar numa folha de inscrição, como Marcelo Rebelo de Sousa, Francisco Pinto Balsemão e Joaquim Ferreira do Amaral, a força do aparelho crescia à medida que a qualidade das políticas e dos políticos diminuía. Pior, assistia-se a um defraudar das expectativas do eleitorado, que em 2001 tinham levado António Capucho ao poder e que se goraram mal este foi substituído por Carlos Carreiras. Tinham vencido o Partido Socialista e o projeto de José Luís Judas de desenvolvimento desregrado e pouco sustentável do concelho. Tinham sido eleitos para cumprir com os seus pergaminhos humanistas e ambientalistas, na tradição de Carlos Pimenta. Para governar primeiro para as pessoas e não para os interesses. E para garantir a preservação da histórica relação de proximidade entre os cascaenses e a natureza. Mas a partir de 2011 governaram para o ganho imediato, à boleia de projetos de construção megalómanos que ameaçam cada vez mais a identidade e a qualidade de vida do concelho.
Cascais tem-se tornado num caso de estudo do tipo de PSD que vai desiludindo os portugueses e que, por isso, se vai afastando da sua natureza maioritária. É este triunfo do aparelho sobre o mérito, da resistência nas trincheiras da intriga sobre a apresentação de resultados concretos, que explica que ao fim de 24 anos no poder em Cascais, e depois de ter tido nomes com a qualidade de Joana Balsemão, Filipa Roseta ou Ricardo Baptista Leite, o PSD apresente agora como candidato o seu presidente de concelhia. Tal como na Madeira, em Cascais, o PSD é um cínico ocupante do poder que governa para se eternizar e só depois para servir. Coloniza as instituições públicas de militantes de todo o país, multiplicando empresas municipais e usando impostos altos para manter o concelho em estado permanente de festa, num festival de despesismo que vai passando despercebido porque em Cascais há mesmo muito dinheiro. Faz confusão ver a Câmara da minha terra ser usada para construir um gigantesco saco de votos dentro do PSD nacional, em que militantes de todos os cantos do território são contratados para garantir o controlo de distritais e concelhias. Falar com empresários que sentem que a vida fica mais simples para o seu negócio se se fizerem militantes. Ver funcionários da Câmara capazes serem desvalorizados ou afastados porque não alinham. Um partido que gerou um concelho amorfo, em que apenas 43% das pessoas votaram nas últimas autárquicas. Quem assista a reuniões de Câmara ou de Assembleia Municipal só pode sentir vergonha da falta de respeito que um representante do partido de Sá Carneiro tem pelos seus opositores e pelos seus eleitores. Reitero que isto não quer dizer que Cascais esteja perante um cenário apocalíptico e que o PSD tenha feito tudo mal. Quero apenas dizer que chegou a altura de exigir aos políticos mais do que o mínimo. Parar de fechar os olhos a tudo o que de inaceitável se passa na nossa política partidária só porque os resultados não são horríveis. Temos que ser mais do que medíocres.
Relembro que falamos de um partido que passou 16 dos primeiros 25 anos da democracia no governo, com duas maiorias absolutas pelo meio, para apenas 9 dos 25 seguintes com responsabilidades governativas. Isto não é por acaso. O PSD, com este tipo de protagonistas e forma de exercer funções, tem desbaratado as suas reservas de credibilidade, prometendo o que não pode cumprir e apresentando candidatos que não estão à altura da sua história. Deixou de ser o partido dos homens bons da terra e passou a ser um partido fechado sobre si próprio. Deixou, até, o seu nome, o seu símbolo e as suas cores de lado. Assisti de perto a este processo, alguns dirão que demasiado de perto para o criticar, eu direi que perto o suficiente para realmente o perceber.
Se em Democracia não nos insurgimos contra a sua degeneração, convidamos os seus inimigos a crescer. Perante um PSD que já não defende o que defendiam Sá Carneiro, Balsemão e Magalhães Mota, e que, portanto, não defende o que defendo, só me resta sair. Mas não saio porque desisti. Saio para procurar servir a minha terra. Com uma candidatura que dignifique a sua dimensão e a sua história. O quinto maior concelho do País não pode ser tratado como um feudo, seja de que partido for. Custa-me pelo que gosto da instituição e por todos os amigos que fiz neste caminho. Não podia acabar sem lhes mandar a todos um abraço, por me terem feito melhor e por, até ao fim (e até depois dele), estarem comigo. Foi uma honra ser do PSD. E é com enorme sentido de responsabilidade que saio, levando nesta aventura comigo militantes bem mais antigos que eu que me ensinaram o que o PSD já foi e o que é que deixou de ser. A força de quem lutou por este partido quando o queriam silenciar e que agora se sente silenciado é muito do que motiva esta decisão. Acredito que nós vamos voltar a encontrar à volta dos princípios que chamaram primeiro muitos e depois milhões.
observador