Brian Wilson. O adeus à alma dos Beach Boys

Poucos músicos comandam um estúdio como uma nave espacial. A música é sobretudo pensada como uma arquitetura sonora, mas há quem reconheça nela uma força de transporte, ou até de criação de ambientes, zonas, mundos. À frente dos Beach Boys, Brian Wilson parecia um extraterrestre exilado num estranho planeta, sofrendo de amnésia e incapaz de explorar a sua condição através de outra linguagem que não a da música. Não deveria ser possível fazer êxitos como ele fez, dobrar as leis da pop a ponto de construir enredos tão subtis, fantasiosos e livres. E tudo magoado por uma nostalgia rara quanto a um lugar difícil de vislumbrar. Como se a música fosse ela mesma a recuperação de uma infância noutro mundo. ‘Good Vibrations’ não envelheceu um segundo, é um dos grandes feitos musicais do século XX, e passou em todas as rádios, provando a genialidade daquele rapaz que transcendeu o descontraído género do surf para criar harmonias complexas e paisagens sonoras tão variadas quanto intensas e intrincadas em estúdio. «Aqueles ouvidos que ele tem. Meu Deus, ele tem que os deixar em testamento ao Smithsonian», exclamou Bob Dylan à Newsweek em 1997. Pet Sounds é hoje tido como uma obra-prima, e um dos álbuns mais influentes de sempre, tendo inspirado os Beatles. Wilson, que toda a vida se debateu com sérios problemas de saúde mental e dependência de drogas, morreu na quarta-feira, 11 de Junho, aos 82 anos.
A notícia foi confirmada pela família no site oficial do músico. «Estamos sem palavras. Por favor, respeitem a nossa privacidade neste momento, pois a nossa família está de luto. Temos consciência de que estamos a partilhar a nossa dor com o mundo», lê-se no comunicado. A causa da morte não foi divulgada.
Nas redes sociais, também a banda partilhou um comunicado. «O mundo está hoje de luto pela morte de um génio, e nós estamos de luto pela morte do nosso primo, amigo e parceiro da grande aventura pela música», começa o texto. «O Brian Wilson não era apenas o coração dos The Beach Boys – era a alma das nossas músicas. As melodias com que sonhou e as emoção que colocava em cada nota mudou o curso da música para sempre. O seu talento sem paralelo e espírito único criou a banda sonora de tantas vidas à volta do mundo, incluindo a nossa», acrescenta. «Continuaremos a valorizar a música atemporal que fizemos juntos e a alegria que trouxe a milhões ao longo das décadas. E embora sintamos muito a falta dele, o seu legado viverá através das suas canções e nas nossas memórias».
O grupo norte-americano foi fundado no início da década de 1960, em Hawthorne, nos arredores de Los Angeles, por Wilson, juntamente com os seus dois irmãos, Dennis e Carl — ambos já falecidos —, o seu primo Mike Love e o seu amigo Al Jardine. Surfin’ USA, em 1963, foi o seu primeiro grande sucesso, chegando à primeira posição das tabelas no Canadá e à terceira nos EUA. Mas foi com Pet Sounds (1966), que suscitou a admiração incondicional de Bob Dylan, dos Beatles e dos Rolling Stones, que o som dos Beach Boys ganhou uma nova densidade e complexidade. Depois, Wilson acabaria por se afastar devido a problemas do foro mental, em parte decorrentes do abuso de LSD. Em dezembro de 1964, depois de um ataque de pânico a bordo de um avião, já tinha decidido deixar de participar nos concertos ao vivo da banda.
Jornal Sol