Israel: uma Pátria em perigo

Quando questionado sobre a fatídica queda da cadeira de Salazar, Mário Soares respondeu – “fiquei todo contente!”. É sabido que a família Soares nunca conviveu bem com a indiferença do Presidente do Conselho – guerras antigas de um João Lopes Soares afonsista. Contudo, é legítimo ler nas palavras do socialista uma alegria perante a desgraça alheia. Décadas depois, assistimos à esquerda política escandalizar-se perante os recentes ataques israelitas ao Irão e à eliminação física de alguns dos seus líderes. Solidários com a tirania iraniana, foram – e são – os da linha da frente a regozijar-se com o fim abrupto do desafortunado criador e da sua criatura, o chamado Antigo Regime.
A esquerda faz aceção de regimes: as ditaduras inimigas do meu inimigo, nem que este seja uma democracia, são minhas amigas. Assim o PC, assim o Bloco – e algumas vozes histriónicas do PS. Os militantes e simpatizantes destes partidos jamais se detiveram em questões de pormenor como a falta de respeito pelos direitos humanos e a ausência de eleições livres. Recorrendo à velha imagem feminista (se ainda me é permitido), não só se recusam a reconhecer a legitimidade do regime democrático israelita como prezam de bater com as flores numa mulher, e, no caso, na única mulher florista da vizinhança. Dados o lugar inóspito e respetivas constitucionalidades ab initio (Israel não existe/Israel deve ser destruído, moderna versão de Carthago delenda est), Israel é obrigado a comportar-se com a vigilância acrescida de um cordeiro que todos querem sacrificar. – Por outras palavras, sendo o cordeiro do Médio Oriente deve vestir a pele (os ossos e os músculos) de lobo. Para que Agostinho Costa me perceba, o Estado israelita deve armar-se e evitar que outros se armem.
Não vou às origens do conflito – a situação atual é densa o suficiente. Das várias questões de retórica que a esquerda e os seus militares gostam de atirar consta a seguinte: qual o motivo por que Israel pode ter armamento nuclear e o Irão não pode? A resposta é obrigatoriamente seca: se o último o tivesse, o primeiro já não existia. Assim, não só o Irão subsiste como Gaza subsiste. A seletividade dos alvos israelitas é real: os terroristas do Hamas, (curiosamente) suportados pelo Irão, e os responsáveis iranianos, são os alvos. Não podia ser diferente: quer em Gaza quer na antiga Pérsia, os habitantes já sofrem demasiado às mãos dos seus autoimpostos líderes; de resto, nos “territórios palestinianos” o terror é imenso, sendo a população colocada como fortaleza e escudo às armas vindas do outro lado da estreita faixa. Para ser mais claro ainda: se Telavive assim pretendesse, Gaza já não era. Isto quanto ao genocídio. No outro lado, todavia, prepondera a obrigação moral, política e religiosa de combater e destruir Israel, enquanto entidade e territorialização da nação judaica: dado esse armamento nuclear iraniano, os israelitas, judeus e não-judeus, cessariam de existir.
Uma outra consideração é geralmente apontada pelos detratores do estado sionista: não há uma prova cabal de o Irão estar na iminência de ter uma arma nuclear. Ou seja, este ataque apenas pretende desviar as atenções da terrível situação humanitária que se vive em Gaza. Estes políticos e comentadores comportam-se como os líderes europeus de há 100 anos: perante os fortes indícios de a Alemanha nazi estar a armar-se fortemente, gritavam aos quatro ventos que Hitler era um homem de paz. O mais espantoso é que os comunistas em Inglaterra, uma vez começado o conflito, recusavam combater uma guerra “capitalista e imperial” e acusavam o governo britânico de belicismo – só quando a URSS foi invadida é que, de repente, apelaram ao combate aos hunos.
As cidades de Israel vivem atualmente uma atmosfera de Blitz: destruição indiscriminada e constante. Longe de mim afirmar que Netanyahu é um Churchill, mas o regime do ayatollah Ali Khamenei parece apostado em forçar a comparação. O estadista inglês soube sempre estar um passo à frente quer de colegas e aliados quer de inimigos e, tal como o primeiro-ministro israelita, cedo percebeu que seria desejável uma mudança de regime. E então, em liberdade e em consciência política, poderão os iranianos decidir o seu futuro.
observador