Jared Leto. O artista multifacetado acusado de crimes sexuais contra menores

Desde que o movimento MeToo – que visa combater o assédio e a agressão sexual, incentivando vítimas a denunciar os seus casos –, ganhou força em 2017, são cada vez mais os artistas que têm desiludido os seus fãs e ido a tribunal. Talvez até possamos dizer que uma nuvem negra paira sobre o universo artístico de Hollywood já que poucos têm escapado de acusações do género. Recentemente, Jared Leto também foi acusado de má conduta sexual. Não apenas por uma, mas por 9 mulheres.
As acusações contra o ator americano vencedor de um Óscar e vocalista dos Thirty Seconds to Mars, vieram à tona num artigo publicado no sábado pelo Air Mail, site coordenado pelo antigo diretor da Vanity Fair, Graydon Carter, e a antiga jornalista do The New York Times, Alessandra Stanley. Segundo o texto assinado por Elena Clavarino, o artista de 53 anos conhecido pelas suas participações em filmes como Clube de Combate, A Vida Não é um Sonho, O Clube de Dallas e Esquadrão Suicida, há anos que tem tido um comportamento inapropriado com mulheres, incluindo menores.
Na verdade, as alegações contra o também músico surgiram no mês passado, quando a DJ Allie Teilz partilhou uma publicação antiga no Facebook, escrita em 2012, no Instagram. «Não estás realmente em L.A. até o Jared Leto tentar atirar-se a ti nos bastidores (…) Fui agredida e traumatizada por esse cretino quando tinha 17 anos», escreveu. Numa outra partilha, acrescentou: «Ele sabia a minha idade e não se importava. O que ele fez foi predatório, aterrador e inaceitável».
As acusações contra Jared
As alegações presentes na peça do Air Mail remontam ao início da década de 2000. Uma mulher considera «um segredo aberto» o facto de Leto ter enviado mensagens de texto com comentários sexuais a modelos adolescentes.
Outra contou à mesma publicação que, em 2006, quando tinha apenas 16 anos, o ator abordou-a à porta de um café em Los Angeles. Segundo a mesma, o artista estava sentado com a também atriz Ashley Olsen – que tinha na altura 19 anos e com quem tinha um caso – e agarrou-lhe no braço. «Olhei para baixo e era Jared Leto (…) Tivemos uma conversa rápida e ele ficou com o meu número», admitiu. Alguns dias depois, alega, Leto ligou-lhe para casa: «Eu não sei se ele estava drogado ou o quê… Era a voz mais estranha, mais nojenta (…) Mas para mim, era o Jared, sabes?», explicou. Nos dias seguintes, passou a ligar com frequência sempre por volta das três da manhã. «As conversas tornaram-se sexuais», continuou.
Por sua vez, a modelo Laura La Rue resolveu «dar a cara», avançando com alegações semelhantes, dizendo que quando tinha 16 anos, em 2008, estava num evento numa residência privada em Beverly Hills, onde Leto a «observava intensamente». «Perguntou-me que idade tinha. Eu disse: ‘Tenho 16 anos. Que idade tens tu?’», disse ao Air Mail. Leto tinha 36 anos na altura e terá pedido o seu contacto telefónico. As conversas começaram por email e La Rue conta que chegou a visitar Leto em abril de 2009, na sua casa. «Lembro-me dele me provocar durante todo o tempo em que lá estive (…) Aproximava-se e depois afastava-se, como se fosse um jogo», alega a modelo que abandonou Hollywood para viver numa carrinha com a filha bebé e que mostra aos fãs, através do seu canal de Youtube, o seu estilo de vida sustentável.
Além disso, continua, numa outra visita, quando já tinha 17 anos, a modelo alega que Leto saiu de um quarto completamente nu. «Ele simplesmente saiu, como se fosse normal… Pensei que talvez fosse isso que os homens adultos fazem», afirmou.
Outra mulher alega que foi abordada pela assistente pessoal do ator numa discoteca para jovens entre 18 e 21 anos. Na altura tinha 20 anos. Segundo a mesma, acabou por se envolver com Leto. «Ficámos juntos algumas vezes na casa dele, mas era esquisito», afirmou.
Ao Air Mail, uma outra contou que começou a trocar mensagens de texto com o músico quando ainda era menor, alegando que este lhe fazia perguntas «inapropriadas» nas visitas a sua casa: «Algum destes namorados com quem andas faz sexo contigo?», por exemplo. Além disso, a mesma alegou que uma vez – tinha 18 anos –, Leto «puxou subitamente o pénis para fora e começou a masturbar-se». «Ele aproximou-se, agarrou na minha mão e colocou-a sobre ele», contou, acrescentando que o ato foi seguido por pedidos perversos.
O artigo denuncia ainda festas que terão acontecido na casa de Jared Leto, para as quais «eram recrutadas jovens mulheres e adolescentes». Uma das raparigas que as terá frequentado partilhou: «Tinha 18 anos a primeira vez que fui e definitivamente não era a pessoa mais jovem lá (…)». Outra mulher disse que o ator se mantinha discreto, «sóbrio, meticuloso e sempre no controlo».
Um representante de Leto «negou expressamente» as múltiplas acusações, dizendo que as alegações eram «comprovadamente falsas». Referindo-se às de Laura La Rue, o mesmo representante afirmou ao Air Mail que as comunicações entre ambos «não continham nada de sexual ou impróprio» e que a modelo «mais tarde chegou a candidatar-se a um cargo de assistente pessoal do Sr. Leto», o que, «reforça a ausência de comportamento inadequado». No entanto, La Rue nega ter-se candidatado à vaga.
Mas desengane-se quem acha que as críticas ao seu comportamento são recentes. Desde 2005 que alegações semelhantes circulam. Nesse ano, o The New York Post partilhou uma história com o título: «Jared Leto gosta delas jovens», depois deste ter sido visto com as atrizes Olsen e Lindsay Lohan. À época, fontes alertaram a publicação que o artista tinha andado «a perseguir agressivamente muitas das modelos adolescentes que se encontravam no Maritime Hotel». 13 anos depois, o Metro partilhou uma publicação no Twitter feita pelo ator Dylan Sprouse, que é casado com a modelo húngara Barbara Palvin. Na publicação lia-se: «Yo @JaredLeto, agora que entraste nas mensagens privadas de todas as modelos femininas de 18 a 25 anos, qual será a tua taxa de sucesso?».
O passado com drogas e a entrega aos papéis
E a verdade é que, apesar de já ter garantido em diversas entrevistas que está sóbrio e diferente, o passado de Jared Leto foi marcado pelo consumo de drogas, por mentiras e excentricidades. «Já menti tanto que nem sei qual é a verdade», admitiu numa entrevista à revista Rolling Stone, em 2016. Numa outra entrevista ao programa de rádio Apple Music 1, o cantor revelou que desde pequeno que sabe ao que cheira a erva. «Lembro-me de passar por uns arbustos, quando estava para aí na quarta classe e ter sentido o cheiro (…) Disse aos miúdos que estavam comigo que alguém fumava erva. Perguntaram-me o que era isso», recordou, detalhando que o consumo era tão «normalizado» que nunca recusou experimentar substâncias ilícitas. «Sempre me interessei pelas drogas, pela experiência, pelo risco», explicou. Só parou quando percebeu que os estupefacientes o consumiam. Tanto a si mesmo, como às pessoas à sua volta. «Tive uma epifania. Havia dois caminhos que eu poderia percorrer. Optei por seguir um deles, mas tive muitos amigos próximos que o não fizeram, seguiram outro e já não estão por cá», lamentou.
Em pequeno, queria ser pintor ou traficante. Acabou por ser ator e músico. Não gosta e evita conversas superficiais, considera-se bastante simples e aqueles que o conhecem falam da sua humildade, empatia e generosidade. «Sou impaciente e consigo gerir o meu tempo muito bem (…) Provavelmente é por isso que consigo fazer várias coisas ao mesmo tempo e alcançar alguns dos meus objetivos», afirmou à Men’sHealth, em 2022. Tenta sempre encontrar projetos pelos quais é realmente apaixonado. «Nunca vou trabalhar só por trabalhar. Tenho uma vida bastante ocupada fora do cinema (…) Acho que isso me ajuda a ser um pouco mais criterioso na hora de escolher papéis (…) Acho que os filmes que faço e os personagens que interpreto são, muitas vezes, muito desafiantes. Por isso, quando termino um projeto, preciso de algum tempo para recuperar», explicou numa outra conversa com o The Talks. O artista já deu vida a Joker, no filme Esquadrão Suicida; ao assassino de John Lennon em Capítulo 27, e Paolo Gucci, na longa metragem Casa Gucci, por exemplo.
Acabou por ganhar a reputação de ator metódico, mas caricatural e mergulhou tão profundamente na sua preparação para interpretar Joker que chegou mesmo a aterrorizar os seus colegas de elenco: enviou-lhes preservativos usados, brinquedos eróticos e até mesmo animais mortos. O ator permaneceu na pele do personagem durante todo o processo de filmagens e também admitiu ter passado um tempo em Nova Iorque e Toronto a pregar sustos às pessoas que andavam nas ruas.
Mas não só no cinema gosta de chocar. Jared Leto também se destaca sempre nas aparições públicas. No Met Gala de 2019, por exemplo, carregou uma réplica da sua própria cabeça no tapete vermelho. «Sempre acreditei que quanto maior o risco, maior a recompensa», disse ao The Talks.
A paixão pelas artes
O artista nasceu em 26 de dezembro de 1971, em Bossier City, Louisiana. Criado pela sua mãe, Constance, que se divorciou do seu pai quando este tinha apenas dois anos e se casou com um italiano que lhe deu um irmão – Shannon Leto –, a sua infância foi marcada por várias mudanças. Mudava-se a cada dois anos, conheceu várias escolas diferentes, várias culturas e estilos de vida. «Venho de uma formação visual e cresci cercado por muitos hippies e artistas. Mudávamo-nos a cada dois anos, e eu frequentei muitas escolas diferentes. Mas a criatividade, para nós, sempre foi um estilo de vida. Nunca foi um emprego. Ser artista era uma paixão e um modo de vida», explicou. O primeiro instrumento que aprendeu a tocar foi o piano e, aos 12 anos, comprou a sua primeira guitarra.
Começou a estudar no Corcoran College of Art and Design, em Washington, D.C. Depois disso, foi para outras duas escolas de arte e acabou em Nova Iorque. Queria ser pintor. No entanto, a vida trocou-lhe as voltas. Abandonou o curso no terceiro ano e foi para Los Angeles. «Eu fazia trabalhos conceituais. Gostava muito de arte abstrata e contemporânea. Também sempre adorei pop art. Depois, apaixonei-me por fotografia e cinema. Também estudava escultura e explorava muitas coisas diferentes (…) Mas acabei por me concentrar no cinema durante o terceiro ano (…) Depois desisti porque pensei que teria mais chances de realizar um filme se conseguisse um emprego como ator primeiro. Esse foi um dos motivos pelos quais fui para o oeste com uma mochila nas costas e algumas centenas de dólares no bolso», lembrou na mesma entrevista.
E foi aí que tudo começou. Em 1992 conseguiu papéis pequenos em dois episódios da série Camp Wilder e, dois anos depois, deu vida ao personagem Jordan Catalano na série My So-Called Life. Apesar da série ter sido cancelada no final da primeira temporada, Jared passou a ser conhecido nacionalmente. Em 1995, iniciou a sua carreira cinematográfica com um papel pequeno, mas relevante, na longa-metragem Onde Reside o Amor e, um ano depois, passou a protagonista nos filmes Traição Fatal e Tempos de Rebeldia. Seguiram-se dezenas de filmes e uma grande evolução da sua entrega ao trabalho. No filme de 2000, A Vida Não É um Sonho, em que interpreta Harry, um jovem viciado em drogas, por exemplo, perdeu 20 quilos. Em 2007, interpretou o assassino de John Lennon, Mark Chapman no filme Capítulo 27, e engordou quase 30 quilos, o que o fez sofrer de gota, uma doença reumática inflamatória causada pela deposição de cristais de ácido úrico nas articulações, levando a crises dolorosas e inflamatórias, tendo que muitas vezes usar cadeiras de rodas por causa de dores. O artista estreou-se também como como realizador em 2012, em Artifact, sob o pseudónimo Bartholomew Cubbins.
Quase um culto
No que toca à música, foi em 1998, com o seu meio irmão, que criou a banda Thirty Seconds From Mars, que teve um grande peso no pop rock nomeadamente no final da década de 2000 e que continua a levar êxitos como Closer to the Edge, A Beautiful Lie ou Kings and Queens, às várias partes do mundo.
O sucesso é tão grande que Jared Leto e sua banda acabaram mesmo por fundar um «culto». Na verdade, sempre utilizaram a frase «yes, this is a cult», para se referir à legião de pessoas que acompanha a carreira da banda.
Há alguns anos que o grupo convida fãs – que se autodenominam Echelon – para um retiro na Croácia, onde o vocalista, vestido com túnicas brancas, recebe centenas de admiradores para um festival de música de três dias, com direito a ioga, piscina, atividades ao ar livre e exibição de filmes. Nas imagens do evento é possível ver o público todo vestido de branco à volta do músico. De acordo com o preçário revelado pela ‘KQED’, as pessoas têm de pagar 999 dólares por duas noites de campismo, sem tenda ou mantimentos incluídos. E todos «lutam» pela atenção de Jared.
Em várias entrevistas, o cantor já declarou que Portugal é um dos países onde a banda tem mais sucesso e reconhecimento, e até referiu o país como um dos motivos pela qual a banda existe, tendo afirmado que foi em Portugal que esgotaram a primeira grande sala da sua carreira. Os Thirty Seconds to Mars têm regresso marcado para Portugal no festival Meo Marés Vivas, em Gaia, a 19 de julho.
Jornal Sol