Jovens fizeram milhares de euros com dados roubados

Uma delas era a codeína, que compravam em várias farmácias com recurso a receitas médicas falsificadas. Mas como chegavam a elas? Bastou encontrar nas plataformas de venda de credenciais os dados de profissionais de saúde. Com eles, entraram em sistemas como o Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (SINAVE), o Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO), e o de Prescrição Eletrónica de Medicamentos (PEM). Neste último, começaram então a emitir 307 receitas, a maioria para xaropes de codeína que, adicionados a refrigerantes e bebidas açucaradas, dão origem ao que se chama de lean ou purple drank, que provoca efeitos relaxantes e sensação de euforia.
Mas não ficaram por aqui: foram ainda emitidas receitas de alprazolam (ou Xanax, um ansiolítico) e tadalafil (usado para tratar a disfunção erétil). Os acusados tentaram ocultar os seus acessos indevidos através de vários programas e ferramentas — mas um deles chegou a ter o link da Prescrição Eletrónica de Medicamentos nos marcadores do seu browser de Internet.
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Depois de obterem as receitas, os três jovens aviavam-nas em várias farmácias. Segundo o Ministério Público, tinham o cuidado de não recorrer em demasia ao mesmo estabelecimento — e nem sempre tiveram sucesso a obter os fármacos, por razões não apuradas. Em finais de 2022, Diogo C. começou a vender as receitas. Recebia pedidos por meio do Discord e enviava as prescrições em troca do pagamento: cada uma custava cerca de dez euros.
[Horas depois do crime, a polícia vai encontrar o assassino de Issam Sartawi, o dirigente palestiniano morto no átrio de um hotel de Albufeira. Mas, também vai descobrir que ele não é quem diz ser. “1983: Portugal à Queima-Roupa” é a história do ano em que dois grupos terroristas internacionais atacaram em Portugal. Um comando paramilitar tomou de assalto uma embaixada em Lisboa e esta execução sumária no Algarve abalou o Médio Oriente. É narrada pela atriz Victoria Guerra, com banda sonora original dos Linda Martini. Ouça o segundo episódio no site do Observador, na Apple Podcasts, no Spotify e no Youtube Music. E ouça o primeiro aqui]
Diogo C. recorreu ainda ao SINAVE para criar uma declaração falsa de doença de dengue, outra de monkeypox e duas de infeção pelo VIH — todas em nome de pessoas da sua idade. Já Tiago A. vangloriou-se de um login bem-sucedido — voltava a ser doutor, disse.
Ao todo, foram acusadas 18 pessoas. Entre elas, encontra-se ainda Rodrigo M., que recorreu às credenciais médicas roubadas para obter 49 certificados de óbito falsos para ridicularizar outras pessoas. Foi o caso de um menor que conheceu no Discord e com quem discutia videojogos, até se zangarem numa noite. De acordo com o Ministério Público, Rodrigo M. emitiu um certificado de óbito com o nome do menor que configurava um possível suicídio, e a causa era obesidade. De seguida, publicou o documento falso na plataforma Tugabin, um site criado por dois dos acusados em 2023 e servia para divulgar de forma anónima os dados pessoais de terceiros.
Ainda na noite da zanga, Rodrigo M. usou ferramentas para ocultar a verdadeira origem das chamadas e telefonou aos bombeiros a alertar para um incêndio na casa do menor, o que levou à mobilização de dois veículos e seis bombeiros da corporação de Belas. Perante o alarme falso, as autoridades abandonaram o local; mas horas mais tarde, de madrugada, Rodrigo M. fez nova denúncia falsa que também levou à ativação de meios. Telefonou ainda à mãe do menor e para o telemóvel do próprio: segundo a acusação, queria que o visado sentisse que não podia levar uma vida normal.
observador