Médio Oriente: Efeitos económicos podem agravar-se

A intensificação do conflito no Médio Oriente está a provocar ondas de choque nos mercados globais, com repercussões que vão muito além das fronteiras daquela região. O aumento do preço do petróleo parece ser a consequência económica mais imediata mas há outras, como poderá ser o caso da inflação. O Nascer do SOL falou com três especialistas para tentar perceber quais são as principais consequências e o que esperar daqui para a frente, ainda que a incerteza seja a palavra chave.
Paulo Monteiro Rosa, economista do Banco Carregosa, começa por recordar que desde o ataque de Israel às bases nucleares iranianas, a 13 de junho, a cotação do petróleo Brent «subiu significativamente».
Por essa altura, o economista lembra que o preço situava-se nos 67 dólares por barril, tendo atingido os 78 dólares na semana passada, impulsionado pelo conflito. «Havia o receio de um agravamento adicional com o ataque dos EUA às centrais nucleares iranianas no fim de semana passado, sobretudo quanto à possibilidade de bloqueio do Estreito de Ormuz – por onde passa aproximadamente 20% do consumo global diário de petróleo, representando cerca de 25% do comércio marítimo mundial do ouro negro». No entanto, «os investidores mantiveram-se calmos e o preço não se agravou». Com o anúncio de tréguas e o abrandamento das hostilidades, o preço recuou novamente para os 68 dólares. «Ainda assim, mantém-se acima dos cerca de 60 dólares do início de maio, refletindo os receios de desaceleração económica global», detalha Paulo Monteiro Rosa.
Assim, questionado sobre quais as principais económicas desta guerra a nível mundial, o economista não tem dúvidas: «Instabilidade no fornecimento de petróleo e gás, o aumento dos preços da energia, a volatilidade nos mercados financeiros, perturbações nas cadeias de abastecimento e um possível e crescente abrandamento do crescimento económico global», alertando que a guerra também pode «agravar as tensões comerciais e geopolíticas entre grandes potências».
No entanto, Vítor Madeira, analista da XTB, refere que neste momento, as principais ameaças económicas decorrentes deste conflito «encontram-se amplamente mitigadas», lembrando que a recente declaração de Donald Trump, sugerindo uma trégua entre as partes envolvidas, «reduziu quase na totalidade os riscos geopolíticos que anteriormente preocupavam os mercados».
Entre as ameaças inicialmente identificadas, destacava-se, nas palavras de Vítor Madeira, «a possibilidade de desenvolvimento ou uso de armamento nuclear por parte do Irão, o que representaria um risco sistémico para a estabilidade regional e global» mas é um cenário que «neste momento, está descartado». E ainda o bloqueio do Estreito de Ormuz, «uma rota crítica para cerca de 20% do comércio mundial de petróleo». «A atual estabilidade nas movimentações navais e o arrefecimento da tensão reduzem essa hipótese para níveis perto de zero», diz ainda, detalhando que «tendo em conta a rápida e eficaz resposta diplomática e militar, os efeitos económicos globais deverão ser limitados e temporários».
Quem também considera que as consequências económicas desta guerra são para já «limitadas» é Ricardo Evangelista, CEO da ActivTrades Europe, avisando, no entanto que «têm potencial para escalar rapidamente».O encerramento do estreito de Ormuz é mesmo a principal preocupação atual. «Um cenário dessa natureza teria consequências imediatas nos preços da energia, na inflação e no crescimento económico, num contexto já marcado por outras incertezas geopolíticas e ameaças tarifárias», avisa.
Portugal com ‘efeitos marginais’Tentámos ainda perceber de que forma Portugal poderá ser afetado por estas consequências, tendo em conta que já assistimos a um grande aumento no preço dos combustíveis na semana passada.
Paulo Monteiro Rosa defende que o nosso país já começou a sentir esses efeitos. «A persistência de instabilidade no Médio Oriente poderá manter os preços da energia elevados, pressionando a inflação e reduzindo o poder de compra das famílias», avisa, acrescentando, no entanto, que «com a queda dos preços nos últimos dias e a valorização do euro face ao dólar, que atingiu os 1,17 – o valor mais alto desde setembro de 2021 – é provável que os combustíveis voltem a descer na próxima semana».
O especialista defende que o aumento dos preços nas bombas no início desta semana «resulta diretamente da subida do Brent para os 78 dólares, impulsionada pelo agravamento das tensões entre Israel e o Irão desde 13 de junho» e que «apesar de os preços já terem começado a recuar com o abrandamento das hostilidades e a valorização do euro, a guerra foi o principal fator que desencadeou esta recente subida».
Por sua vez, Vítor Madeira é da opinião de que, para o nosso país, «os impactos serão marginais», defendendo que o principal efeito imediato «foi o aumento pontual nos preços dos combustíveis, reflexo do movimento especulativo nos mercados internacionais de energia». Mas, com a estabilização do conflito e a forte correção no preço do Brent «que recuou mais de 15% em apenas três dias, espera-se que os preços dos combustíveis ao consumidor venham a corrigir rapidamente, revertendo a subida inicial».Já Ricardo Evangelista, avisa: «Portugal, enquanto importador líquido de energia, é particularmente sensível às oscilações nos preços das matérias-primas energéticas, que acabam por se refletir no valor que os consumidores pagam pelos combustíveis». Na opinião do especialista, embora o aumento recente do preço do petróleo «tenha sido motivado pelo receio de uma escalada no conflito que levasse ao encerramento do Estreito de Ormuz, esse movimento foi, entretanto, revertido, à medida que ambas as partes demonstraram disponibilidade para respeitar o cessar-fogo. Neste momento, o fecho do estreito é considerado improvável».
E daqui para a frente?Imprevisibilidade é a palavra de ordem neste momento. E saber o que vai acontecer daqui para a frente é difícil porque tudo depende da atuação dos dois países e até dos EUA.
Paulo Monteiro Rosa explica que caso o contexto geopolítico no Médio Oriente se estabilize, «é expectável que o preço do barril de petróleo retome a sua tendência de descida, refletindo a desaceleração económica global e o aumento da oferta por parte da OPEP+».
Por sua vez, Ricardo Evangelista é da opinião de que, neste contexto, «o cenário base aponta para um alívio nas tensões, o que poderá traduzir-se numa maior estabilidade e até num recuo adicional no preço do barril». O especialista diz que, nesse sentido, «podemos esperar alguma volatilidade nos mercados energéticos – que continuarão atentos a qualquer sinal de deterioração no terreno – mas com um viés para novas descidas a curto prazo».
Se este cenário se confirmar, «será positivo para a economia portuguesa, aliviando os custos de produção, transporte e o orçamento das famílias».
Inflação e energiaEstes são outros dois temas que preocupam no caso da guerra no Médio Oriente. Mas, pelo menos para já, parece não haver grandes problemas.No caso da energia, Vítor Madeira adianta que «a menos que surja um novo fator a impactar os mercados globais – com base nos dados e contexto atual -, não se prevê qualquer impacto relevante nos preços da energia elétrica ou no setor energético em geral».
Já para a inflação, Paulo Monteiro Rosa atira que «se a tendência de descida do Brent se mantiver e o euro continuar na sua trajetória de valorização face ao dólar, é expectável uma redução da pressão sobre os preços da energia, podendo, assim, afastando assim os receios de um nova reaceleração da inflação». No entanto, o economista avisa que «enquanto persistirem riscos geopolíticos no Médio Oriente, existe sempre a possibilidade de nova instabilidade nos mercados e eventual aumento da inflação».
Jornal Sol