Reação de Lula a tarifaço de Trump pode prejudicar mais o Brasil do que medidas dos EUA

A reação do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) às tarifas de 50% sobre os produtos brasileiros anunciadas pelo presidente americano Donald Trump pode ter um efeito maior sobre a economia do que o próprio aumento das alíquotas. Um dos principais efeitos pode vir na inflação. Trump já ameaçou reagir duramente e dobrar a tarifa se o Brasil aplicar retaliações, ampliando o impasse diplomático e comercial.
Após sinalizar que buscaria negociação antes de retaliar, o governo confirmou nesta quinta-feira (10) o uso da Lei de Reciprocidade, que permite medidas provisórias de retaliação contra países que impõem barreiras comerciais ao Brasil. A lei foi aprovada pelo Congresso depois que Trump anunciou, em abril, tarifas sobre produtos brasileiros. O governo também estuda recorrer à Organização Mundial do Comércio (OMC).
Nesta quinta-feira (10), enquanto digeria os impactos específicos para os diversos segmentos exportadores, o mercado avaliava o impacto macroeconômico como “marginal” e “gerenciável”, devido ao perfil de nossas exportações. A XP Investimentos chegou a prever até mesmo um impacto deflacionário com a medida.
“Se não houver retaliação por parte do Brasil com aumento de tarifas sobre importações de produtos americanos, o impacto inflacionário seria praticamente zero. Pode até haver um efeito deflacionário se o excedente de produtos exportáveis, que agora não vão para os EUA, ficar no mercado doméstico, potencialmente reduzindo ligeiramente os preços", destacou a corretora.
Com as possibilidades da retaliação brasileira aumentando, o cenário muda. “Os Estados Unidos falaram que vão responder na mesma proporção, ou seja, as tarifas irão para 100%”, afirma Alessandra Ribeiro, diretora de macroeconomia da Tendências Consultoria.
“Aí os efeitos serão ainda mais expressivos, não só do ponto de vista setorial e do ambiente de aversão ao risco, mas também domesticamente, para a atividade econômica, com reflexos inflacionários.”
O economista-chefe da XP Investimentos, Caio Megale, diz que serão afetados principalmente produtos químicos, medicamentos e querosene de avião, o que vai pressionar levemente a inflação para cima. Isso deve levar o Banco Central a postergar o início do ciclo de queda de juros previsto inicialmente para janeiro pela consultoria. “O BC terá que ficar, no mínimo, mais conservador.” A sinalização do mercado era de que a redução da taxa Selic começasse entre o final deste ano e o início do próximo.
O BTG Pactual também alerta para "riscos importantes" da retaliação brasileira, especialmente o aumento de incertezas. “Retaliações tendem a ser ineficientes e podem desencadear uma escalada de tensões comerciais difícil de reverter, além de pressionar a inflação”, diz o relatório da instituição.
Reflexos no crescimento são considerados “gerenciáveis”Analistas do mercado ainda estão processando a amplitude do tarifaço de Trump. O Brasil é uma economia relativamente fechada, com exportações e importações respondendo por apenas 18% do PIB em 2024. Apenas 16% das exportações totais do Brasil - ou 2% do PIB são destinadas aos EUA.
Apesar de a taxação de 50% poder representar um baque em produtos específicos, como ferro e aço semimanufaturados, aeronaves, materiais de construção, etanol e produtos de madeira e relacionados, o impacto geral sobre a economia brasileira é considerado “gerenciável”, avalivam economistas.
Também há ceticismo quanto à possibilidade de que as tarifas se tornem permanentes, como apontou o UBS WM em seu relatório. Por isso, as atenções se focam, a partir de agora, nos desdobramentos e nas ações políticas e diplomáticas.
Mesmo com incertezas sobre a continuidade ou não das tarifas, os principais bancos e casas de análise do Brasil e do exterior começaram a revisar para baixo suas projeções para o crescimento da economia brasileira após o anúncio. Considerando o cenário atual, as estimativas apontam que as tarifas podem reduzir o crescimento do PIB do Brasil em até 0,6 ponto percentual ao longo dos próximos dois anos.
Até o anúncio do tarifaço de Trump, o ponto médio (mediana) das expectativas de bancos, corretoras e consultorias para o crescimento do PIB sinalizavam para uma alta de 2,2% neste ano e de 1,9% para 2026, segundo o boletim Focus do BC.
O BTG Pactual estima que a nova tarifa norte-americana reduzirá o PIB de 2025 em 0,3 ponto percentual, o equivalente a cerca de US$ 7 bilhões em exportações, e 0,6 ponto em 2026, com um impacto acumulado estimado em até US$ 13 bilhões. A XP Investimentos também prevê desaceleração, reduzindo sua projeção de crescimento deste ano de 2,5% para 2,2%, e a de 2026 de 1,7% para 1,2%. Já o banco norte-ameroicano Goldman Sachs aponta uma queda entre 0,3 e 0,4 ponto percentual, dependendo da duração e da intensidade das barreiras.
Retaliação pode criar ambiente mais hostilAs tarifas anunciadas por Trump afetam principalmente produtos industrializados e manufaturados — setores com maior valor agregado nas exportações brasileiras. Embora os Estados Unidos representem cerca de 11% das exportações totais do Brasil, os efeitos econômicos se concentram nos segmentos de maior sofisticação tecnológica, com risco de desaceleração industrial e de perda de mercados consolidados.
Os analistas do Citi e da RBC BlueBay, o Brasil ainda tem algum espaço para redirecionar parte de suas exportações a outros mercados, embora o processo seja lento. "Mesmo com um real mais fraco, o comércio exterior não reagirá imediatamente, o que agrava o impacto no PIB", diz relatório da XP.
Com a retaliação, as expectativas do mercado financeiro são de que o cenário se agrave. "O risco maior não é apenas o efeito econômico direto das tarifas, mas a sinalização de um ambiente internacional mais hostil ao Brasil, especialmente se a retaliação brasileira for mal calibrada", apontou o BTG.
Economistas preveem volatilidade e incertezaSegundo a diretora da Tendências, o impacto no crescimento brasileiro não é uma certeza, uma vez que o governo pode lançar mão de medidas de expansionismo fiscal para manter a atividade econômica, sobretudo considerando o calendário eleitoral. É um cenário que também pode contribuir para aumentar a inflação.
A economista acredita que o fato do tarifaço de Trump ter misturado aspectos políticos e econômicos para justificar as tarifas acrescenta mais um elemento de incerteza. “Não dá para apostar em outro cenário além de volatilidade nos mercados e uma certa paralisia da economia, não só brasileira, mas global, no curto prazo”, diz.
O economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini, aponta que as tarifas impostas por Trump foram anunciadas de forma caótica e com justificativas distorcidas. A medida gerou volatilidade nos mercados e abriu um novo front de tensão diplomática e comercial entre os dois países.
“É uma medida que pode ser adotada por qualquer país, do ponto de vista econômico, mas foi feita de maneira lamentável. Primeiro, porque Trump usou argumentos falsos, como a ideia de que os Estados Unidos têm déficit com o Brasil, o que não é verdade desde 2009. Segundo, porque ele inseriu no anúncio elementos políticos que não cabem em uma decisão comercial”, disse Agostini.
Para ele, o tom adotado pelo presidente americano contribui para deteriorar o ambiente global. “Misturar STF, Lula, BRICS e outras questões geopolíticas num anúncio tarifário é inaceitável. Isso não só mancha a imagem de Trump como presidente, mas cria instabilidade em um momento já delicado.”
Segundo o economista, além do impacto sobre a inflação e a atividade doméstica brasileira, o anúncio e as retaliações podem aumentar os custos de produção nos próprios Estados Unidos, que dependem de matérias-primas brasileiras. “Com o Brasil retaliando, o efeito é duplamente prejudicial, tanto aqui quanto lá. Trump está alimentando um cenário de recessão interna, não no Brasil.”
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