Xeque-mate chinês? As estratégias da BYD e da GWM para avançar no Brasil

O tabuleiro da indústria automotiva no Brasil está sendo drasticamente redefinido. Em um movimento rápido e agressivo, as montadoras chinesas BYD e Great Wall Motors (GWM) saíram do zero para conquistar uma fatia de 7,2% do mercado nacional em apenas três anos, de acordo com a Federação Nacional dos Distribuidores de Veículos Automotores (Fenabrave).
O avanço, impulsionado por um foco em eletrificação e investimentos bilionários, desafia diretamente as fabricantes tradicionais e força uma discussão sobre os rumos da política industrial do país. A ofensiva é, em parte, uma consequência da acirrada guerra de preços e do excesso de capacidade produtiva no mercado chinês, o que torna a expansão global uma necessidade estratégica para essas empresas.
BYD: a estratégia de escala, volume e controvérsia fiscalA BYD adotou uma tática de penetração de mercado veloz e massiva. A empresa já vendeu 150 mil veículos eletrificados no Brasil e, em julho, sua participação nas vendas alcançou 5,4%, posicionando-a à frente de marcas com décadas de produção local, como Renault, Nissan e Citroën. No segmento de veículos 100% elétricos, seu domínio é quase absoluto, com 77% das vendas.
Logística agressiva e marketing para vencer a desconfiançaA expansão foi viabilizada por uma logística agressiva. A empresa utiliza sua própria frota de navios, como o BYD Shenzhen, que em maio realizou o maior desembarque de veículos elétricos no país, com mais de 7 mil unidades no porto de Itajaí (SC). Além da importação, a BYD precisou convencer sua matriz a investir em marketing em TV aberta para superar a percepção negativa que historicamente acompanhava produtos chineses no Brasil.
A montadora chinesa definiu como pedra angular de sua estratégia de expansão global um investimento de R$ 5,5 bilhões na antiga fábrica da Ford em Camaçari (BA). A unidade, que se tornará a maior operação da empresa fora da Ásia, apresentou suas linhas de produção no início de julho.
A nova fábrica baiana não se limitará ao mercado doméstico. A BYD projeta transformar Camaçari em uma plataforma estratégica de exportação para todo o continente americano.
O modelo SKD e a reação da indústria nacionalA produção inicial, no entanto, é no modelo SKD (semi-knocked-down): a carroceria chega da China já soldada e pintada, e os demais componentes, majoritariamente importados, são agregados localmente. Foi justamente o modelo SKD que gerou a maior controvérsia. A BYD solicitou ao governo uma redução temporária do Imposto de Importação para os kits – de 18% para 5% em elétricos e de 20% para 10% em híbridos.
A indústria tradicional, representada pela Associação Nacional de Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), e governadores de seis estados reagiram, argumentando que a medida desestruturaria a cadeia produtiva nacional e "transformaria a busca por carros mais baratos hoje em desemprego amanhã". O setor alertou para o risco a R$ 60 bilhões em investimentos e a 50 mil empregos formais.
Pressionado, o governo adotou uma solução intermediária: antecipou para 2027 a alíquota de 35% para os kits, mas concedeu à BYD uma cota de US$ 463 milhões com tarifa zero por seis meses.
Como parte de sua estratégia de longo prazo para a fábrica de Camaçari, a BYD quer aprofundar sua integração com a indústria local. A montadora estabeleceu a meta de atingir mais de 50% de nacionalização em seus veículos até 2027.
Para viabilizar este objetivo, a empresa está trabalhando em parceria com entidades do setor, como a Associação Brasileira da Indústria de Autopeças (Abipeças) e o Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores (Sindipeças), para mapear e desenvolver fornecedores brasileiros capazes de atender seus padrões de produção.
GWM: expectativa de mais fábricas e desenvolvimento tecnológicoA GWM, por sua vez, escolheu um caminho distinto, priorizando a produção completa e a nacionalização gradual "peça por peça". Com 1,8% de participação, já supera marcas como Peugeot e BMW, e seu modelo Haval H6 tornou-se o SUV híbrido mais vendido do país.
Com um plano de investimento de R$ 10 bilhões até 2032, a GWM inaugurou sua fábrica em Iracemápolis (SP), na antiga unidade da Mercedes-Benz. A capacidade inicial é de 50 mil veículos anuais, começando com os modelos Haval H6, a picape Poer P30 e o SUV Haval H9.
A aposta da empresa vai além da manufatura. A GWM instalou um centro de pesquisa e desenvolvimento (P&D) ao lado da fábrica, que empregará 60 engenheiros para focar em sistemas híbridos, combustíveis de nova geração e inteligência artificial. A montadora também iniciará testes com seu primeiro caminhão movido a hidrogênio no Brasil, em parceria com universidades como a USP.
Os planos futuros já incluem o estudo para uma segunda fábrica no país, com R$ 6 bilhões adicionais em investimentos, visando elevar a produção para até 300 mil veículos por ano.
Avanço chinês expõe diferença de visões de negócio no BrasilO avanço chinês, portanto, expõe duas visões de negócio. De um lado, uma estratégia de escala global, volume e montagem final; do outro, uma aposta na integração produtiva e no desenvolvimento de tecnologia local.
O resultado dessa competição poderá não apenas ajudar a definir os líderes de mercado, mas o próprio futuro da industrialização no setor automotivo brasileiro.
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