A memória das pessoas

In memoriam do Padre Registo
Corria o verão de 68, quando, pela primeira vez, fiz uma viagem “longa” de comboio: partida da estação ferroviária do Barracão com destino ao Fundão. Foram sensações novas e descobertas de quem nunca tinha viajado para além da cidade duas ou três vezes. Os tempos de carência e penúria não permitiam ambições por aí além. Mesmo vivendo a 10 quilómetros da Guarda, a primeira vez que subi à cidade foi a fazer o exame da quarta classe. Voltando à viagem inaugural, posteriormente, o percurso seria feito cinco a seis vezes por ano, durante os cinco anos que frequentei o Seminário Menor do Fundão.
Surgem estas recordações a propósito do recente falecimento do Senhor Padre José Registo, o último dos sacerdotes que fez parte da equipa de formadores e professores do referido Seminário, no meu tempo. Escola de formação cultural abrangente, como convinha a futuros padres, foi ela a base da minha aprendizagem escolar que me levaria ao ensino em anos futuros. Como em todas as equipas, havia melhores e piores seres humanos, mas, na sua maioria, recordo com saudade aqueles que foram meus professores. Nos primeiros anos, havia o rigor matemático do Padre Nobre, do Soito e a aprendizagem mais suave dos princípios básicos do Latim, com o Padre Virgílio. Depois, a nível do atual 3º ciclo, as malfadadas línguas estrangeiras eram complicadas de entrar nas minhas categorias infantis habituadas apenas ao linguajar rural. Quer o Francês do Padre Carlos, quer o Inglês do Padre Messias foram de bastante difícil digestão. O Francês até correu melhor pois estava a iniciar-se a emigração maciça para as terras gaulesas e, conviver com os conterrâneos, de vacances na aldeia, puxava pela sua aprendizagem. O Latim deste ciclo é que já fiava mais fino, pois a exigência do Senhor Vice-reitor, Lourenço Pires dava-nos cabo das categorias mentais. As sabatinas semanais também não ajudavam grande coisa. Memorizar sem interiorizar, como era apanágio da época, tornava a aquisição de conhecimentos mais penosa.
Ora, por estes anos do Ciclo, entrou um novo prefeito, Professor de História, que levou uma lufada de ar mais fresco ao ambiente do Seminário: o Padre Registo. Natural de Manteigas e pároco que já havia sido em lugares vários da diocese, levava com ele uma postura um pouco diferente e menos hierática dos outros elementos da equipa. A experiência paroquial e sobretudo o curso de História tirado em Lisboa abriram-lhe horizontes que não apenas a aprendizagem do Seminários Diocesanos frequentados. Era de um humanismo a toda a prova e, quando surgia algum problema pessoal “difícil” de confiar ao Diretor Espiritual, era a ele que se recorria. Com a sua bonomia e paciência ouvia-nos e tentava, à sua maneira, ultrapassar essas dificuldades. Havia uma grande proximidade, como prefeito, dos seminaristas e gerava confiança para a exposição dos nossos problemas. Até como professor de História, o ensino era diferente do empinanço habitual que era exigido pelos outros professores: baseava-se mais na interpretação de documentos e na descoberta de novos sentidos para a própria história. Talvez, por isso, a sua passagem pelo Seminário foi breve, restrita aos anos de 70 e 71.
Da sua atividade pastoral, o testemunho dos seus paroquianos, publicado no Jornal de Belmonte é elucidativo: “Homem de trato fácil, afável, que granjeou o respeito de todos os belmontenses independentemente do credo ou religião. José Martins Registo pode ser considerado o pároco do concelho de Belmonte porque desenvolveu a sua ação pastoral em todos as localidades do concelho com a exceção de Inguias.” Aliás a autarquia de Belmonte destacou o seu empenho e trabalho dedicado durante tantos anos ao concelho e o seu presidente salientou o seu papel de educador e Padre referindo que deixa um “legado de fé, serviço e humanidade que perdurará na memória de todos”. (A Guarda, nº 5988). Foram decretados dois dias de luto municipal devido ao seu falecimento.
Um grande bem-haja ao Padre Registo pelos seus ensinamentos e especialmente pelo seu trabalho como cultor de uma postura de proximidade nas paróquias por onde passou e seminário. É graças a exemplos de homens assim que continuamos a acreditar.
José Manuel Monteiro
Jornal A Guarda