À terceira é de vez: tarifas dos EUA passam a vigorar a partir de quinta-feira

Depois do primeiro ‘Dia da Libertação’, com o anúncio das tarifas recíprocas a 1 de abril, e do segundo ‘Dia da Libertação’, quando o (entretanto prolongado) prazo de 1 de agosto para chegar a acordo comercial com os EUA expirou, Trump terá agora o seu terceiro ato liberatório da economia norte-americana – que, apesar dos adjetivos do magnata nova-iorquino, dá sinais mais evidentes de fragilidade. As ameaças continuam e a UE pode ver nova subida de taxa caso não cumpra as suas promessas de investimento, enquanto farmacêuticas e semicondutores vão ter de esperar mais uma semana por detalhes.
Em entrevista à CNBC, o presidente norte-americano voltou ao tom ameaçador ao referir-se à UE, garantindo nova escalada tarifária caso as promessas europeias de investimento não se concretizem. No acordo entre Bruxelas e Washington, os europeus comprometeram-se a investir 550 mil milhões de euros na economia norte-americana, mas tal não é linear, dado que as decisões partem das empresas e, numa dimensão menor, dos governos nacionais.
“Eles [UE] queriam baixar as tarifas e portanto pagam 550 mil milhões. Assim, eu baixei de 30% para 15%”, afirmou, mas esclarecendo: se estes investimentos não se verificarem, a UE “passa a pagar 35%”.
Este é mais um episódio confuso numa panóplia de dúvidas e interrogações que têm emergido da política comercial norte-americana, que até já originou alcunhas em acrónimo pouco elogiosas para Trump, como a do T.A.C.O. (Trump Acobarda-se Sempre, em português). Em parte, os constantes adiamentos e a alternância entre uma postura aparentemente inflexível e as concessões à última hora contribuíram para esta perceção, mas, ao que tudo indica, esta quinta-feira passarão mesmo a vigorar as taxas anunciadas neste longo período desde 1 de abril.
O Canadá, que tem sido o aliado mais na mira dos EUA, juntamente com a UE, já está a ver as suas vendas para o vizinho do sul pagarem estas taxas – em parte, como consequência da escolha política canadiana de reconhecer o estado da Palestina, algo castigado por Washington, o maior aliado de Israel, com 35%.
Por outro lado, a China, que parecia o principal alvo inicial da aventura alfandegária de Trump, já assegurou uma extensão até 12 de agosto e há sinais de que poderá haver novo período de 90 dias para negociações. Também o México evitou, por enquanto, a escalada de 25% para 35%, conseguindo um prolongamento de três meses nas discussões com os parceiros americanos.
Também com uma forte componente política, o Brasil será penalizado com 50% pela investigação interna ao antigo presidente Jair Bolsonaro, aliado próximo de Trump e do movimento MAGA, enquanto a Índia vê igual taxa em consequência das suas compras de petróleo e material militar à Rússia.
Num anúncio distinto, o presidente colocou como data-limite dia 8, sexta-feira, para a Rússia chegar a um acordo de cessar-fogo com a Ucrânia. Em caso contrário, países terceiros que continuem a comprar energia a Moscovo estão sujeitos a 100% de taxa – um valor que traria danos consideráveis à economia americana, dado que países como a Índia ou a China seriam penalizados e o preço do petróleo nos mercados iria disparar contra os objetivos explícitos da Casa Branca.
Assim, os europeus passarão a ver as suas exportações taxadas a 15%, tal como o Japão e Coreia do Sul, e, apesar da expectativa quanto a isenções em sectores chave, as ordens executivas de Trump não preveem nada do género – levando já a vozes de revolta e pedidos de tomada de posição nestas economias.
O Reino Unido foi o primeiro a chegar a acordo, embora partisse de uma posição mais favorável, visto que corre um défice comercial com os EUA – o que coloca os britânicos na lista de ‘bem-comportados’ na visão da Casa Branca. As exportações britânicas passam agora a pagar 10% à chegada aos EUA, bem abaixo dos 25% anunciados a 1 de abril.
O Vietname conseguiu a maior redução em termos absolutos, enfrentando 20% em vez dos 46% inicialmente propostos, embora o ‘Politico’ reporte que os representantes vietnamitas foram surpreendidos por Trump depois de ter ficado acordado uma taxa de 11% nas negociações bilaterais. Haverá ainda uma tarifa de 40% em bens “transbordados” no Vietname a caminho dos EUA, embora seja incerto como tal será aplicado.
A Indonésia conseguiu baixar de 32% para 19%, ao passo que as Filipinas viram uma redução marginal de 20% para 19%.
Quão ‘Big, Beautiful’ está a economia dos EUA?
Este terceiro ‘Dia da Libertação’ surge após uma semana cheia de sinais negativos e preocupantes para a economia norte-americana, desde o crescimento à criação de emprego, e que levantam dúvidas sobre a real natureza da economia sob a administração Trump.
A semana passada fechou com os dados do PIB no segundo trimestre, que até superaram as expectativas, à primeira vista: a maior economia do mundo avançou 3% em termos anualizados, acima do consenso entre investidores e analistas, de 2,5%, e após ter contraído 0,5% no arranque do ano, mas este avanço foi conseguido sobretudo à custa de menores importações.
A componente externa recuou marcadamente depois de disparar no primeiro trimestre, quando os importadores norte-americanos procuraram antecipar a imposição de tarifas e evitar os preços acrescidos com a barreira alfandegária. O segundo trimestre mostrou uma queda de 30,3% nas importações, isto após a subida de 37,9% no primeiro trimestre, contribuindo com 5 pontos percentuais (pp) para o crescimento.
Em sentido inverso, os inventários caíram à medida que as empresas escoaram o frontloading do arranque do ano, o que retirou 3,2 pp à leitura do segundo trimestre.
Olhando para o consumo privado, que representa próximo de dois terços da economia norte-americana, este acelerou para apenas 1,5% depois de quase estagnar no primeiro trimestre. Ao mesmo tempo, o investimento privado caiu 15,6%, refletindo a incerteza acrescida que as empresas enfrentam com a política comercial de Trump.
A fechar a semana, o mercado de trabalha desiludiu com apenas 73 mil postos criados em julho, mas o pior foram as revisões a maio, que sofreu uma revisão em baixa de 144 mil para 19 mil, e de junho, de 147 mil para 14 mil. Contas feitas, foram menos 258 mil postos de trabalho criados naqueles dois meses, a maior revisão em baixa desde 2009.
Já esta semana, o défice comercial tocou mínimos de 21 meses, mas à custa de um abrandamento claro do lado das importações. Em termos relativos, as compras ao exterior desceram 3,7% e tocaram mínimos de março de 2024, contribuindo para um saldo comercial negativo de 60,2 mil milhões de dólares (51,9 mil milhões de euros) em junho, bastante abaixo dos 71,7 mil milhões (61,9 mil milhões de euros) registados no mês anterior.
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