Inédito. Investidores já estão a cobrar mais juros a França do que a Itália

Os investidores já estão a cobrar mais juros para emprestar dinheiro a França face a Itália, algo inédito na história da zona euro e num momento em que França encontra-se mergulhada numa crise política, com as suas perspetivas económicas a agudizarem-se. Os juros da dívida francesa já ultrapassaram anteriormente os de Portugal ou da Grécia.
A Assembleia Nacional chumbou a moção de confiança apresentada por François Bayrou e o presidente francês já anunciou que vai apresentar um novo primeiro-ministro nos próximo dias. Será o quinto primeiro-ministro em menos de dois anos em França.
A mudança que teve lugar esta terça-feira deveu-se a questões técnicas: a obrigação gaulesa que serve de benchmark passou a ter uma maturidade mais longa face à transalpina, mais uns meses, mas os analistas apontam que marca a continuação de uma tendência que arrancou há vários anos e acontece num momento de grande pressão para Emmanuel Macron.
Historicamente, as obrigações transalpinas têm recompensado melhor os investidores devido a maiores riscos económicos-financeiros associados a Itália. No pico da crise das dívidas soberanas em 2012, os juros italianos estavam 4 pontos acima dos gauleses. Em 2022, o spread atinge dois pontos de diferença. Mas a estabilidade do Governo de Giorgia Meloni levou os mercados a apostarem mais em Itália, a par do esforço do país para consolidar a sua dívida.
“A expetativa é que o próximo PM seja para ficar. Para os investidores, a grande preocupação é que o eleitorado não vai formar uma maioria clara e não parece preocupado com a deterioração orçamental”, segundo Elliot Hentov da State Street Investment Management, citado pela “Bloomberg”.
Para Sam Hill do LLoyds, “as expetativas para um desfecho rápido dos problemas políticos e orçamentais em França deverão permanecer constrangidos”, afirmou, apontando que as obrigações gaulesas vão continuar sob pressão.
“Bloqueiem tudo”. Franceses prometem tomar as ruas com crise política
François Bayrou demitiu-se depois de a sua moção de confiança chumbar no Parlamento. O centrista veterano bem tentou unir a Assembleia Nacional, mas sem sucesso. Bayrou, 74 anos, viu o voto de confiança falhar. Tentou que os partidos políticos assumissem as suas responsabilidades no que considera ser a salvação de França, mas nada feito.
Agora, Emmanuel Macron vai anunciar um “novo primeiro-ministro nos próximo dias”, anunciou o Palácio do Eliseu ao final da tarde de segunda-feira. A demissão de Macron não parece estar em cima da mesa, ao contrário do que defendia a oposição.
Os franceses já se preparam para tomar as ruas em protesto. O movimento “Bloquons Tout” (bloqueiem tudo), que nasceu nas redes sociais, prepara-se para protestos em todo o país na quarta-feira, 10 de setembro. A 18 de setembro, é o dia para os sindicatos saírem à rua em protesto.
“Não há um cenário favorável, não há saída, não há nenhum cenário credível onde seja atingido o mesmo nível de consolidação orçamental”, disse à “Reuters” Frederik Ducrozet da Pictet Wealth Management.
Por sua vez, Russel Mathews da RBC BlueBay Asset Management, que está a apostar contra as obrigações francesas, considera que existe uma relutância cada vez maior nos mercados em comprar que o aumento da carga fiscal seja uma forma viável para reduzir os grandes défices orçamentais.
Os mercados reagiram na segunda-feira, o euro subia ligeiramente para os 1,1735 dólares. Já as obrigações gaulesas e os futuros de ações registavam ganhos acima de 1%. Resta ver como vai ser agora a tempestade nos mercado para França nos próximos dias, com os investidores a estarem atentos ao intervalo entre os juros da dívida de longo prazo de França e a da Alemanha.
O ministro francês das Finanças Eric Lombard já antecipou que o próximo orçamento – a ser entregue a 7 de outubro – será menos ambicioso do que o de François Bayrou, conhecido por ser um falcão da dívida.
A ideia será apostar mais no aumento de impostos e menos em cortes de despesa para reduzir o défice orçamental, a acordar com o Partido Socialista francês, de onde até poderá sair o próximo primeiro-ministro.
Quais os nomes em cima da mesa?
Uma das possibilidades é o ministro da Defesa Sebastien Lecornu, mais ao centro, ou o ministro das Finanças Eric Lombard, um tecnocrata com ligações à esquerda.
Outro nome é o líder do Partido Socialista (PSF) Olivier Faure que já admitiu o seu desejo de assumir o cargo, mas os conservadores do Partido Republicano já avisaram que abandonam o Governo se a esquerda assumir o poder.
A “Bloomberg” aponta outros nomes como o ministro da Justiça Gerald Darmanin, que juntou-se ao partido de Macron em 2017.
Se não começar a cortar agora, a dívida francesa pode atingir os 125% do PIB até 2030, mais 10 pontos percentuais face ao nível atual, segundo uma estimativa da Bloomberg Economics. O país conta com o maior défice orçamental da zona euro.
A Assembleia Nacional francesa chumbou a moção de confiança ao executivo de François Bayrou: 364 votos contra e 194 a favor. Resultado: François Bayrou vai apresentar a sua demissão na terça-feira de manhã.
É uma derrota para o presidente francês Emmanuel Macron, com a queda do quarto primeiro-ministro no espaço de dois anos. François Bayrou assumiu o cargo há apenas nove meses.
O plano de Bayrou para cortar a dívida, resta ver agora como vai ser a reação dos mercados nos próximos dias que deverão vir a castigar duramente França. O presidente gaulês terá de agir rapidamente e de forma convincente.
Era uma missão quase impossível: tentar juntar a extrema-direita, extrema-esquerda, e os partidos do centro à direita e esquerda. O objetivo é cortar 44 mil milhões de euros em gastos no próximo ano, reduzir o défice que atinge quase o dobro dos 3% permitidos pela UE e reduzir o fardo de dívida que já atinge os 114% do PIB.
Mas os partidos da oposição não estão para aí virados, estando já a planear sacar dividendos do caos político para tentar alavancar a sua posição nas eleições presidenciais de 2027.
Duas fontes com conhecimento sobre o pensamento de Macron, não acreditam que uma eleição venha a resolver a crise. A chave poderá estar no Partido Socialista francês, que já apresentou propostas para criar um imposto de 2% sobre fortunas acima de 100 milhões de euros e poupanças de 22 mil milhões de euros, o que poderá colidir com a agenda de Macron.
Os franceses já se estão a organizar. Os sindicatos começam a planear ações de protesto. Um movimento recém-criado promete tomar as ruas francesas na quarta-feira sob o mote: “Bloquons Tout”, “Vamos bloquear tudo”.
E agora, Macron? O presidente pode nomear um político do seu partido, o Renaissance, ou dos conservadores Republicanos. Por outro lado, pode tentar agradar a esquerda e nomear um tecnocrata ou um socialista.
No entanto, parece impossível agradar a todos. Macron pode também decidir convocar eleições, dissolvendo o Parlamento pela segunda vez, mas até agora tem resistido aos apelos da extrema-direita do União Nacional ou a extrema-esquerda do França Insubmissa.
No seu discurso antes da votação, o primeiro-ministro disse que o controlo da dívida francesa é uma “questão de vida ou morte” para o país.
“O maior risco é não tomar decisões. Estamos a lidar com uma questão histórica, e não política, que é para as próximas gerações. Se tivéssemos a produção dos nossos vizinhos, França não teria um problema de défice, mas a produção é uma emergência nacional”, disse François Bayrou em discurso no Parlamento gaulês na segunda-feira.
“A questão vital, a questão de vida ou de morte, onde a nossa própria sobrevivência está em risco, é a questão de controlar os nossos gastos, é a questão do sobre-endividamento”, acrescentou, citado pela “Reuters”.
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