Redes genéticas para medos infundados: cientistas russos desvendam o mecanismo da ansiedade

Por que algumas pessoas conseguem abrir um novo negócio sem medo, enquanto outras ponderam tudo mil vezes e ainda assim mudam de ideia, com medo do que pode acontecer? Os cientistas acreditam que isso depende em grande parte do nível inato de ansiedade. Eles tentam estudar essa qualidade psicológica, que está presente em um grau ou outro em cada pessoa.
Recentemente, pesquisadores do Instituto de Citologia e Genética da Filial Siberiana da Academia Russa de Ciências (ICG SB RAS) conduziram uma análise https://vavilovj-icg.ru/download/20_Vergunov.pdf de fatores hereditários que influenciam o estado de ansiedade excessivamente alta ou baixa em humanos e animais.
Ansiedade é a tendência de uma pessoa perceber o mundo ao seu redor como potencialmente perigoso e avaliar a ameaça iminente, ajudando a escapar a tempo ou evitar problemas.
É bom quando o nível de ansiedade é adequado à situação atual. Mas também há pontos extremos, quando, por exemplo, uma pessoa não tem medo de absolutamente nada e, portanto, está sujeita a ferimentos e acidentes desnecessários (aliás, eles não consideram pessoas assim como cosmonautas). Há, ao contrário, pessoas com alma de lebre, que têm medo patológico de dar um passo em direção a algo desconhecido.
“Existem diferentes tipos de ansiedade”, explica um dos autores do trabalho, chefe do laboratório de genética psicológica do Instituto de Citologia e Genética da Filial Siberiana da Academia Russa de Ciências, Doutor em Filosofia Alexander Savostyanov. – Algumas pessoas têm medo de serem espancadas, e outras têm medo de serem consideradas covardes. Você pode ter medo de não conseguir dar conta de uma tarefa de trabalho ou pode ter medo de que parem de respeitá-lo...
– De que depende o nível dessas expectativas ansiosas ?
– Depende, em grande medida, das características hereditárias de uma pessoa. Mas a forma como se manifestam depende da educação da pessoa e do seu ambiente. Se você vive em condições normais, então a ansiedade elevada é um fator negativo e provavelmente desnecessário para você, impedindo-o de viver em paz e aproveitar várias esferas da vida. Mas se você vive em condições de perigo real, então a ansiedade elevada pode ser um fator que o protege e permite evitar situações perigosas a tempo. Inicialmente, os cientistas tentaram encontrar um único gene para a ansiedade, como aquele que determina o transporte do neurotransmissor serotonina no cérebro. Mas logo ficou claro que nada pode ser previsto a partir de um único gene; descobriu-se que cerca de 200 (!) genes estão envolvidos no processo de desenvolvimento da ansiedade.
Então os pesquisadores se depararam com um novo mistério: há muitos genes, mas a contribuição de cada um deles individualmente se mostrou muito pequena. Para desvendá-lo, recorremos à chamada análise bioinformática – leitura automática de um grande número de artigos usando um programa de computador. Esse programa foi criado com base no ICG especificamente para extrair conhecimento de textos. Nós o configuramos para extrair dados sobre genes de ansiedade de camundongos e humanos.
– O que havia de valioso nos ratos?
– Você pode pegar um pedaço do cérebro deles e ver como os genes associados à ansiedade são expressos, ou seja, se a síntese de proteínas ocorre com base nesses genes ou não. Os autores dos artigos criaram situações perigosas para ratos e observaram como tudo acontecia, como este ou aquele gene funcionava. Usando a leitura automática de artigos sobre experimentos semelhantes, reconstruímos todos os genes envolvidos na regulação da ansiedade, primeiro em animais e depois em humanos. Como resultado, obtivemos uma visualização do trabalho dos genes na ansiedade: com todos os seus “relacionamentos”, o grau de influência uns sobre os outros dependendo das diferentes situações da vida.
– Quantas obras você analisou usando seu programa?
– Analisamos aqueles que foram escritos nos últimos 20 anos e disponibilizados publicamente. Acontece que havia centenas de milhares deles! Você entende que para lê-los “manualmente” não teríamos tempo suficiente em toda a nossa vida.
- E a que nova conclusão você chegou depois de estudar essas obras usando um computador?
– Acontece que diferentes tipos de ansiedade não são apenas diferentes intensidades dos mesmos genes. Esses são estados completamente diferentes da rede genética. Existem três estados diferentes: ansiedade baixa, moderada e alta. E a mudança do primeiro para o segundo e do segundo para o terceiro difere muito em seus mecanismos biológicos. Em outras palavras, aprendemos a distinguir entre padrões de expressão genética associados a diferentes níveis de ansiedade.
– Então, cada um dos pesquisadores antes de você viu um conjunto de genes de ansiedade, entendeu que eles estavam interconectados, mas não os juntou em um mecanismo comum?
- Exatamente. Entendemos como eles estão conectados uns aos outros em uma rede genética, como eles se influenciam mutuamente. Além disso, criamos um diagrama gráfico de diferentes estados de ansiedade. E tudo isso sem um experimento específico – nós mesmos não realizamos exames em camundongos, mas graças à análise de um grande número de publicações chegamos à comprovação de um novo resultado.
– Considerando que você se baseou em dados de centenas de milhares de estudos experimentais, de quantas pessoas estamos falando?
− Centenas de milhares são artigos escritos sobre material obtido de animais e humanos. Se considerarmos apenas a pesquisa “humana”, isso equivale a várias dezenas de milhares de artigos. Não contamos o número exato de participantes, mas acho que pode ter havido mais de um milhão.
– Se você pegar duas pessoas com altos níveis de ansiedade, elas terão a mesma configuração de interações genéticas?
- Será diferente.
− Quem pode se beneficiar de dados sobre os vários mecanismos subjacentes a níveis altos e baixos de ansiedade em humanos? Por exemplo, eu darei material genético, e você saberá meu nível de ansiedade com alta precisão?
− Um psicólogo experiente pode determinar o nível de ansiedade sem análise genética, usando pesquisas ou testes comportamentais. Também aparece no eletroencefalograma. A genética é necessária para selecionar corretamente os ansiolíticos (substâncias que reduzem a ansiedade. – Autor). Eles são prescritos, por exemplo, para um paciente que está muito preocupado com uma grande operação que vai realizar. No entanto, os médicos muitas vezes enfrentam a difícil tarefa de escolher o medicamento certo. Afinal, duas pessoas com níveis aparentemente semelhantes de ansiedade podem ter mecanismos muito diferentes para sua ocorrência.
– Existem profissões associadas a um alto nível de risco. As pessoas nessas profissões desenvolvem tolerância à ansiedade? Talvez desapareça com o tempo?
– Em determinado momento, avaliamos o nível de ansiedade e coletamos amostras de material genético de cirurgiões que tinham bons motivos para ansiedade relacionados a possíveis erros durante a cirurgia. A maioria deles revelou-se altamente ansiosa — esse traço de personalidade é indispensável nessa profissão, pois a atividade está associada a um alto risco para os pacientes. No entanto, os cirurgiões profissionais, além da alta ansiedade, também têm a capacidade de lidar com essa ansiedade de maneira oportuna. Quanto à habituação, há o conceito de uma estratégia para vivenciar a ansiedade. Uma pessoa pode se esforçar para evitar o perigo, se preparar para o perigo, proibir-se de pensar no perigo e assim por diante. Diferentes estratégias não são um mecanismo genético, mas sim um mecanismo social que depende da vontade humana. Uma pessoa não pode mudar o nível de ansiedade quando quiser, mas pode mudar sua atitude em relação a ela. Dependendo da estratégia que uma pessoa escolhe para gerenciar seu comportamento, o nível de ansiedade tem um impacto positivo ou negativo em sua vida.
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