Palestra de Cacciari na Bienal sobre a filosofia da guerra.


A palestra do filósofo, proferida diante de um auditório lotado e uma plateia veneziana atenta, inspira-se em Alberico Gentili e Napoleão. O inimigo deve ser reconhecido como justo, e a guerra como libertadora. Do Polemos de Heráclito aos dias atuais.
A filosofia da guerra é a mãe de toda a filosofia. E seu guardião, em tempos de guerra, é talvez Massimo Cacciari. O filósofo, ex-prefeito de Veneza e seguidor de Heráclito, estudioso do Polemos, que também afirma: "A guerra não existe." (Afinal, o paradoxo é o impulso do pensamento.)
A palestra "A Morte de Ius Belli", apresentada ontem pelo Patriarca Francesco Moraglia e pelo Presidente da Bienal, Pietrangelo Buttafuco, como parte dos projetos especiais do arquivo histórico, começa assim: "A guerra não existe". Ou pelo menos não existe como um monolito. Não existe, nem nunca existiu, como um fenômeno singular ou um fato abstrato. No entanto, todas as guerras — todas diferentes — sempre nascem de Polemos, que divide alguns como escravos, outros como homens livres.
Assim, a guerra é um espelho da humanidade. Não como um acidente, não como um parêntese. Mas como uma condição permanente, porém proteica. Latente, mas pronta para desabrochar dentro dos limites do tempo. Cada guerra carrega consigo um pensamento. Cada conflito transforma as regras da possibilidade. Do fratricídio grego à Guerra de Troia, Cacciari traça a história dos exércitos físicos e metafísicos. De armas que não podem ser treinadas, mas que, apesar de si mesmas, educam a humanidade em seu uso e no ius belli. A lei da guerra, que hoje, para o filósofo, está moribunda.
A palestra de Cacciari, diante de um auditório lotado e de uma República de Veneza atenta, baseia-se em Alberico Gentili e Napoleão. O inimigo deve ser reconhecido como justo, e a guerra como libertadora. Essa ideia é ainda reforçada por Immanuel Kant e sua "paz perpétua". Em um caleidoscópio de conflitos — mediados pela lei — que o presente parece fragmentar em uma distinção tênue entre cidade e campo, entre homem e soldado.
A linha divisória entre o inimigo justo e o inimigo absoluto torna-se tênue. Das Guerras Napoleônicas — onde, apesar do massacre, a justificativa para a libertação dos povos permanece — às Guerras Mundiais, o inimigo perde sua essência. Deixa de ser um Estado. Torna-se a encarnação do mal. A Primeira Guerra Mundial — a "epifania do Anticristo" — marca a transição para um conflito no qual não há mais espaço para duelos. No qual, no choque entre dois lados, um já não reconhece o outro. O inimigo é um criminoso. A Segunda Guerra Mundial exacerba o irracional. E nos conflitos contemporâneos — mais de 50 em todo o mundo — torna-se o critério.
A filosofia da guerra — de Heráclito a Cacciari — não é, portanto, apenas um espelho das coisas, mas também um alerta sobre ideias. A guerra retorna hoje como um teste para a civilização, mesmo que a "libido pugnandi" se expresse sem filtros. E o raciocínio político se torna insuficiente até mesmo para contê-la. A filosofia da guerra é uma filosofia da justiça. É o reconhecimento do outro como um hostis justo, de modo que a palavra "paz", parafraseando Buttafuoco, não seja meramente o último dos tabus. E o mais desgastado, aliás.
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